Confissão de dívida tributária não é “opção irretratável”

Publicado em: 23/11/2010

Ewerton P. S. Moreno



Com a presença cada vez mais frequente de anistias e parcelamentos fiscais em nosso ordenamento jurídico, a discussão quanto ao caráter irrevogável da confissão de dívida tributária tem se alongado. Para que seja concedido parcelamento da dívida sob esses regimes, é exigida a desistência de discussão administrativa e judicial quanto à validade da dívida tributária, com sua "confissão irretratável". Os efeitos gerados pela confissão e sua suposta irretratabilidade tem gerado inúmeras discussões judiciais.


É preciso, entretanto, analisar de forma atenta as características e feições tanto da confissão quanto da obrigação tributária para que se possa entender pela possibilidade ou não de consideração da confissão em matéria tributária como irrevogável, sendo este o objeto do presente artigo.


Natureza Jurídica da Confissão


Conforme preceitua Aurélio Pitanga Seixas Filho a "confissão é uma declaração a respeito da ocorrência de um fato que ocorreu e cuja descrição pode ser fiel ao fato acontecido, pode ocultar fatos, no todo ou em parcialmente, ocorrer erros ou falhas no testemunho ou, até mesmo, falsidade." [1]


Como se pode observar Aurélio Pitanga ensina que a confissão se baseia em fatos e não em direitos, ou seja, a confissão é feita pela parte e versa sobre a existência de determinado fato, que está passível de nova análise caso se vislumbre eventual erro ou falha em sua existência.


Neste mesmo sentido discorre Hugo de Brito Machado ao dispor que a confissão "pertine ao fato, enquanto situado no mundo dos fatos, sem qualquer preocupação, daquele que faz a confissão, com o significado jurídico do fato confessado, vale dizer, com o efeito da incidência da regra jurídica". [2]


Desta forma, se reforça o entendimento de que a confissão versa sobre questões fáticas, ou seja, a ocorrência ou não de determinado fato, não havendo a confissão de questões de direito.


Natureza Jurídica da Obrigação Tributária


Notadamente o estudo da Obrigação Tributária é um dos mais importantes no Direito Tributário, sendo este entendido como a relação entre o Sujeito Passivo (contribuinte) e o Sujeito Ativo (Fisco). Importante ressaltar que a Obrigação Tributária é o reflexo da incidência que, segundo Geraldo Ataliba é "o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato a uma hipótese legal, com conseqüente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma." [3]


Como se observa pela definição do nobre professor é essencial a existência de norma que venha definir a hipótese legal, que definirá o fato sujeito à incidência - que, sendo concretizado, haverá a subsunção do fato à norma, ensejando a relação tributária -, as partes envolvidas, bem como os aspectos espaciais e quantitativos.


Sabe-se que a Obrigação Tributária decorre da relação entre o Estado, que possui o poder de tributar e as pessoas sujeitas à tributação, a qual se dá o nome de relação tributária. Conforme ensina Hugo de Brito Machado "a relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir seus efeitos. (...) A lei descreve um fato e atribui um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado." [4]


A obrigação tributária, por possuir a mesma natureza jurídica das obrigações em geral, não surge sem que haja algum fato que dê ensejo à sua existência, ou seja, baseando-se no Princípio da Legalidade a obrigação tributária decorre da subsunção do fato à norma positivada, sendo assim, no Direito Tributário consideramos nascida a obrigação tributária após a ocorrência do fato gerador.


Salienta-se ainda a importância do Lançamento neste contexto, visto que é por meio dele que o crédito tributário é vertido em linguagem competente, materializando a obrigação tributária.


Desta forma resta nítido que a Obrigação Tributária não advém da vontade das partes, mas sim de Lei formal e materialmente constituída.


Relação entre Confissão e Obrigação Tributária


Conforme preceitua Suzy Gomes Hoffmann ao versar sobre a Prova no Direito Tributário "a confissão é prova produzida pela própria parte que admite como verdadeiros os fatos alegados contra ela pela outra parte." [5]


Note-se que a confissão em matéria tributária pode ou não gerar Obrigação Tributária, ou seja, a confissão pode se dar sobre fatos que sejam objeto de isenção ou imunidade, quanto sobre fatos em que haja a incidência tributária.


Para o momento interessam-nos os casos em que a confissão faz nascer a Obrigação Tributária. Tal confissão tem o condão de tornar a existência do fato pacífica entre as partes, porém, a confissão não é absoluta e deve continuar passível de questionamento caso se verifique erro ou vício no fato confessado.


Tem-se visto ultimamente a recorrente utilização de cláusulas de irretratabilidade da confissão em parcelamentos de dívidas tributárias, porém tais cláusulas devem ser interpretadas com restrições, pois possuem caráter relativo, ou seja, não se deve entender que apenas por ter a parte confessado determinada dívida não mais poderá questionar e se retratar quanto ao fato confessado, o que na realidade se deve pretender é que a parte que confessou não possa se retratar, revogando sua confissão, de forma sumária, sem que se comprove subsistentes motivos para tanto.


Sendo assim, nota-se que após a confissão o ônus da prova é invertido ficando a "Administração Tributária dispensada de produzir qualquer outra prova do fato cujo acontecimento gerou a dívida tributária." [6] Ficando a cargo do Sujeito Passivo a comprovação de que a confissão se deu sobre fato gerador inexistente ou errôneo.


O que não se pode admitir de forma alguma é que se considere a confissão como fato gerador do tributo, pois a exigibilidade do tributo advém da Lei e não de contrato entre as partes, não há de se permitir a cobrança de tributos criados por meio de confissão, pois o tributo deve nascer de acordo com a hipótese legal, sendo que, caso não haja a perfeita subsunção do fato à norma não há que se falar em dívida tributária.


Sendo assim, caso se verifique que o fato que ensejou a confissão não existiu, ou que a confissão tenha se dado por erro, restando isto comprovado, não há como a dívida tributária prevalecer sob a alegação de que o contribuinte efetuou confissão formal da dívida.


É importante frisar trecho do texto de Hugo de Brito ao mencionar Ruy Barbosa Nogueira que, por sua vez, cita Enrico Allorio e Mario Pugliese em que dispõe que "a obrigação tributária, por ser direito público e só poder emanar da lei não pode ser alterada pelas partes: os sujeitos (o fisco ou o contribuinte) não podem transigir, desistir, fazer compromissos ou alterar a obrigação tributária, a não ser que a lei os tenha expressamente autorizado." [6]


Ademais, a obrigação tributária não é por si só suficiente para a cobrança do crédito por parte do Fisco, a obrigação tributária necessita sair da esfera fática, precisa adentrar ao plano real, deixar de ser o enquadramento do fato gerador à hipótese de incidência, por isso se faz necessária a constituição do crédito tributário que, segundo ensina Hugo de Brito Machado, "é o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável, o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária". [4]


O crédito tributário surge por meio do lançamento que é o "procedimento administrativo pelo qual verifica-se o fato gerador da obrigação correspondente, identifica o sujeito passivo, determina a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário." [4]


Conclusão


Pelo exposto verificamos que, apesar da comum exigência legal da confissão, ela jamais poderá ser considerada irretratável, pois a confissão não é fato gerador de obrigação tributária, não podendo, portanto, por mais que formalmente efetuada, ter o condão de gerar obrigação tributária, pois esta apenas se origina de Lei formalmente constituída, devendo ser consubstanciada em lançamento tributário não cabendo em hipótese alguma a possibilidade de transação entre as partes.


Desta forma, como fundamento e princípio fundamental, o falso não pode prevalecer sobre o verdadeiro, sendo que, restando comprovado o erro na confissão é mandatório que a mesma seja reavaliada.

 

 



[1] SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Natureza jurídica da obrigação tributária. Artigo Publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 152, pág. 70. Editora Dialética.


[2] MACHADO, Hugo de Brito. Confissão Irretratável de Dívida Tributária nos Pedidos de Parcelamento. Artigo Publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 145, pág. 49. Editora Dialética.


[3] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, RT, São Paulo, 1973, p. 40.


[4] LIVRO: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 28 ed. 2007. Malheiros.


[5] HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da Prova no Direito Tributário. 1999. Copola.


[6] MACHADO, Hugo de Brito. Confissão Irretratável de Dívida Tributária nos Pedidos de Parcelamento. Artigo Publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 145, pág. 51. Editora Dialética.

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