Esclarecimentos sobre a introdução do conceito de Operador Econômico Autorizado (OEA) no Brasil

Publicado em: 17/10/2009

Desde os recentes anúncios por parte da Secretária-Executiva da CAMEX, Lytha Spíndola, muito se tem falado sobre a implantação do conceito de Operador Econômico Autorizado (OEA) pelo Governo Federal, apesar de ainda não haver norma regulamentando o assunto. Independentemente do detalhamento de sua operacionalização, OEA pode até ser uma novidade no Brasil, mas está longe de ser assunto novo e muito menos desconhecido na esfera internacional do comércio. A idéia de OEA foi concebido no âmbito da Organização Mundial de Aduanas (OMA) e destina-se a disciplinar dois interesses prioritários para o comércio internacional: segurança e facilitação.


Tais idéias figuram na Estrutura Normativa da OMA para a Segurança e a Facilitação do Comércio Internacional (Estrutura Normativa da OMA), que define OEA como "... uma parte envolvida no movimento internacional de mercadorias, a qualquer título, que tenha sido aprovado por, ou em nome de, uma administração aduaneira nacional como estando em conformidade com as normas da OMA ou com normas equivalentes em matéria de segurança da cadeia logística. Os operadores econômicos autorizados podem ser, entre outros, fabricantes, importadores, exportadores, despachantes aduaneiros, transportadores, agentes de carga, intermediários, administradores de portos e aeroportos, operadores de terminais, operadores de transporte multimodal, permissionários e concessionários de recintos alfandegados, distribuidores".[1]


Nesse sentido, o reconhecimento do status de OEA está inserido no contexto de um programa governamental que visa a aumentar a transparência e a agilidade das operações aduaneiras, ao mesmo tempo em que mantém ou mesmo aumenta o controle e a segurança sobre as operações de comércio exterior. Baseia-se na colaboração e parceria entre agentes públicos e privados tendo em vista uma metodologia estruturada que compreende, por exemplo, procedimentos de exame prévio ou posterior de documentos, de bens, instalações e dispositivos de segurança.


O pressuposto de credenciamento como OEA é a validação de conformidade dos procedimentos aduaneiros e da cadeia logística de um operador com os critérios estabelecidos pelo poder público. A validação, via de regra, é feita pela administração aduaneira, no caso, a Receita Federal do Brasil, e poderá contar com a assistência de terceiros, tal como funciona com o processo de habilitação para a Linha Azul. O conceito de OEA visa, no seu âmago, à modernização das operações aduaneiras, no interesse não só das Aduanas, mas dos operadores privados e da comunidade comercial internacional. Por isso, a Estrutura Normativa da OMA não predetermina regras rígidas, mas princípios norteadores aos quais as Administrações nacionais devem se adequar, de maneira pró-ativa, para assistir os operadores comerciais na realização de suas atividades da maneira mais eficaz possível.


Por isso, a participação do setor privado deve ser ativa na busca de soluções compartilhadas com a Aduana, a fim de se atingir os objetivos comuns de facilitação e segurança de maneira equilibrada, não permitindo que a busca de um prejudique o resultado do outro. Da parte das Aduanas, deve haver, portanto, postura de colaboração e transparência, com a apresentação das vantagens concretas de que se beneficiarão os participantes do programa OEA, mesmo porque o período de adequação ao programa certamente implicará em custos e esforços para o aprimoramento da segurança da cadeia logística e o uso de tecnologias modernas, aos quais deverão corresponder contrapartidas claras e tangíveis para justificar tais investimentos.


Nesse contexto se chega ao ponto crucial para o êxito dessa iniciativa por parte do Governo Federal. A implementação de um modelo novo e moderno de gestão aduaneira passa pela redefinição do próprio papel da Administração em face dos administrados e vice-versa. Ao contrário da postura infelizmente frequente de confrontamento e de desconfiança que caracteriza a relação Fisco – contribuinte, Aduana – importador/exportador, a idéia de OEA pressupõe um novo paradigma de gestão compartilhada de interesses públicos e privados. Paralelamente, o resultado colimado pela OMA é o aperfeiçoamento das Aduanas e dos operadores comerciais em nível global, com o consequente incremento dos fluxos de comércio, sem prejuízo do necessário controle e segurança das cadeias logísticas internacionais.


No que toca aos agentes econômicos interessados em ascender à condição de OEA, estes deverão dar provas e garantias de conformidade com as obrigações aduaneiras (passado, presente e futuro), prover sistemas de gestão de registros comerciais atualizados, precisos e completos quanto às importações e às exportações, reforçar as medidas destinadas a assegurar a integridade da carga e da segurança da cadeia logística internacional. Como contrapartida, receberão liberação expedita da carga, com redução dos custos de armazenagem, acesso privilegiado a informações de seu interesse, tratamento prioritário em novos programas de processamento e licenciamento de suas operações.


Da parte das Aduanas, no plano interno, espera-se transparência, coerência e cooperação próxima com os agentes privados (o que a OMA intitula “pilar 2”). O governo deverá implementar procedimentos de autorização e validação, observando as orientações da Estrutura Normativa da OMA e seus Anexos, sendo que poderão ser criados diferentes níveis de exigências a que corresponderão diferentes tipos de reconhecimento como Operador Econômico Autorizado, conforme o tipo de atividades, histórico e volumes de comércio da empresa.


No plano internacional, as Aduanas nacionais devem buscar comunicação e colaboração acirrada entre si (“pilar 1”), de modo a aprimorar o controle integrado, coibir fraudes e viabilizar fluxos crescentes de comércio internacional . Nesse contexto insere-se a política de reconhecimento mútuo pelo qual uma decisão tomada por uma administração aduaneira nacional é reconhecida como válida e eficaz por outra administração aduaneira para, não só evitar duplicidade de controles de segurança, como também para eliminar as possíveis lacunas de controle entre uma jurisdição e a outra. Idealmente, o que se busca será o reconhecimento mútuo do status de Operador Econômico Autorizado em níveis bilateral, sub-regional e, possivelmente, até multilateral.


Vale mencionar, no caso do Brasil, a recente “Carta de Entendimento entre o Serviço Nacional de Aduanas da República do Chile e a Receita Federal da República Federativa do Brasil”, assinada por ocasião da visita ao Brasil da Presidente do Chile, Michelle Bachelet, em São Paulo, no dia 30 de julho de 2009 que, seguindo essa orientação, determina o intercâmbio de conhecimentos especializados e a cooperação para alcançar um programa de reconhecimento mútuo de Operadores Econômicos Autorizados.


Essa é uma tendência mundial quando o assunto é OEA. Estados Unidos possui diversos acordos bilaterais de cooperação e assistência aduaneira, reforçando, sobretudo a questão da segurança, uma preocupação marcante nos procedimentos aduaneiros desse país desde os ataques terroristas de 2001. A União Européia (UE) tem acordo de reconhecimento mútuo com os EUA desde 2004, antes mesmo de entrar em vigor o Regulamento 648/2005, que reformou o Código Aduaneiro das Comunidades Européias (Regulamento do Conselho 2913/92) e introduziu as disciplinas de OEA na Europa, além de outros acordos de cooperação aduaneira com terceiros países, como China e Índia. Países africanos estão buscando soluções regionais de integração e reconhecimento mútuo.


É salutar e oportuno, portanto, que o Governo Brasileiro esteja implementando sistemas para o reconhecimento de OEA às empresas e indústrias que participam do comércio exterior brasileiro. Por um lado, a iniciativa é coerente com as estratégias de otimização e modernização do serviço aduaneiro nacional, por outro, deverá trazer maior agilidade, competitividade e segurança para os operadores privados, em linha com a tendência internacional atual. Espera-se, contudo, que interesses imediatistas, centralizadores e arrecadatórios não prevaleçam sobre os interesses públicos e coletivos verdadeiros, valores que frequentemente se confundem quando se trata de modificar o status quo no âmbito da RFB, como ficou demonstrado durante a conturbada transição da direção desse órgão durante o último mês.



André Luís R. Barbosa

Advogado, Mestre em Direito e Economia do Comércio Internacional



[1] http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/OperEconAutorizados/default.htm#Principais

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