Novas responsabilidades tributárias a cargo dos tomadores de serviços

Publicado em: 15/10/2009
Alexandre Lira de Oliveira

A partir de 1º de fevereiro de 2004(1) os tomadores de serviços profissionais estarão sujeitos a novas obrigações tributárias, por força da Lei n.º 10.833, de 29 de dezembro de 2003 (conversão da Medida Provisória n.º 135, de 30 de outubro de 2003).

Também há a possibilidade de outra obrigação de retenção tributária, por força dos desígnios da Lei Complementar n.º 116, de 31 de julho de 2003, se publicada legislação municipal obrigando os contribuintes.

A Lei 10.833/03 atribui às pessoas jurídicas tomadoras de "serviços profissionais" prestados por outras pessoas jurídicas a responsabilidade pela retenção e recolhimento da contribuição para o PIS, da Cofins e da CSLL, calculados à razão de 4,65%; enquanto a LC 116 autoriza à municipalidade a instituição de legislação que obrigue os tomadores de determinados serviços à retenção e recolhimento do ISS incidente.

Da retenção do PIS/Cofins e CSLL

Os artigos 30 a 36 da Lei 10.833/03 instituem a retenção das referidas contribuições sociais.

Dúvidas surgiram quanto à extensão dos serviços que devem sofrer esta retenção pela fonte pagadora. Eis que lista o artigo 30 alguns serviços(2) sujeitos à retenção, para ao final apregoar: "bem como a remuneração de serviços profissionais".

Interpretação literal dessa referida locução ("serviços profissionais") nos poderia levar ao entendimento de que quaisquer serviços tomados deveriam sofrer a retenção pela fonte pagadora. Ocorre que há muito está esclarecido que a exegese dos textos legais deve considerar o sistema como um todo.

Em nosso ordenamento jurídico encontramos referências a "serviços profissionais", estando presente no Regulamento do Imposto de Renda (aprovado pelo Decreto 3.000/99), ao tratar do assunto correlato da retenção do imposto de renda, em seu artigo 647 § 1º, lista de serviços "caracterizadamente de natureza profissional".

Por conservadorismo, podemos incluir nessa lista os serviços profissionais relacionados no artigo 9º, XIII, da Lei 9.317/96, que, somados aos outros serviços constantes no artigo 30 da Lei 10.833/03 nos leva à extensa relação de serviços passíveis da retenção do PIS/Cofins e CSLL.

Se seguíssemos a interpretação literal acima criticada, chegaríamos a disparate de jaez não encontrada desde a Constituição Federal de 1946 e que foi jocosamente(3) criticado por Geraldo Ataliba: "Na verdade, o inciso III do art. 30 da Constituição de 1946 anulava o I e o II. Era o mesmo que dizer: ´As cores permitidas são: I - o branco; II - o preto; III - qualquer cor´"(4).

É o que aconteceria com o artigo 30, ao listar algumas atividades (conservação, manutenção, vigilância etc) para depois admitir qualquer serviço, abarcando os anteriormente citados e todos os outros possíveis. Não podemos admitir tal assimetria na lei, principalmente quando a interpretação sistêmica nos provê de orgânico suprimento do conflito.

O § 1º do artigo 30 determina que devem também realizar a retenção as associações, inclusive entidades sindicais, federações, confederações, centrais sindicais e serviços sociais autônomos, sociedades simples, inclusive sociedades cooperativas, fundações de direito privado ou condomínios edilícios, excluindo a obrigação de retenção das pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES (§ 2º). Estas retenções funcionarão sem prejuízo da retenção do imposto de renda (§ 3º).

A preambularmente citada alíquota de 4,65% é estabelecida pelo artigo 31, montada com a soma de 1% de CSLL, 3% de Cofins e 0,65% de PIS/Pasep. O § 1º deste artigo esclarece que a cobrança do PIS/Cofins no regime de não-cumulatividade instituído pela Lei 10.637/02 e pela própria Lei 10.833/03 não obsta a retenção (embora a alíquota da contribuição neste regime seja de 1,65% e 7,6% respectivamente)(5).

Nos termos do § 2º do artigo 30, no caso de a pessoa jurídica prestadora do serviço ser beneficiária de isenção de alguma das contribuições "a retenção dar-se-á mediante a aplicação da alíquota específica correspondente às contribuições não alcançadas pela isenção".

Conforme o ADE CORAT 81/03, o recolhimento da retenção de PIS/Cofins e CSLL pelo tomador deverá ser executado pelo código de receita 5952. Em sendo o prestador beneficiário de isenção (ou de tutela judicial garantidora desta) de algum dos tributos, podem os outros serem recolhidos separadamente, mediante a utilização do código de receita 5987 para a CSLL, 5960 para a Cofins e 5979 para a contribuição para o PIS/PASEP.

Não deverá haver a retenção sobre pagamentos efetuados a Itaipu Binacional, empresas estrangeiras de transporte de cargas ou passageiros e a pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES, conforme preconiza o artigo 32. Seu parágrafo único impõe a retenção apenas da CSLL nos pagamentos a título de transporte internacional de cargas ou de passageiros efetuados por empresas nacionais e aos estaleiros navais brasileiros nas atividades de conservação, modernização, conversão e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no Registro Especial Brasileiro - REB, instituído pela Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de 1997.

Esta retenção da CSLL sobre os pagamentos ao transporte internacional de cargas é regra especial, pois pela regra geral estabelecida pelo artigo 30 não haveria retenção das contribuições sobre a atividade de transporte.

Poderá a União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, celebrar convênios com os Estados, Distrito Federal e Municípios, para estabelecer este regime de retenção nos pagamentos efetuados por órgãos, autarquias e fundações dessas administrações públicas às pessoas jurídicas de direito privado, pelo fornecimento de bens ou pela prestação de serviços em geral, nos termos do artigo 33.

O artigo 34 estende a obrigação presente no artigo 64 da Lei 9.430/96 às empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, e que dela recebam recursos do Tesouro Nacional e estejam obrigadas a registrar sua execução orçamentária e financeira na modalidade total no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI.

O recolhimento das contribuições retidas será procedido pelo órgão público que efetuar a retenção, ou na forma do imposto de renda retido na fonte (de forma centralizada, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica, até o terceiro dia útil da semana subseqüente àquela em que tiver ocorrido o pagamento à pessoa jurídica fornecedora dos bens(6) ou prestadora do serviço) - artigo 35.

No final do exercício o contribuinte que sofreu a retenção sobre suas faturas fará o acerto, eis que o retido será considerado como antecipação, nos termos do artigo 36 da Lei 10.833/03.

Da retenção do ISS

Mencionei acima a necessidade de legislação municipal seguindo aos parâmetros da LC 116 para que houvesse a obrigação de retenção. Esta posição não é pacífica, tendo sido defendido que esta obrigação seria eficaz desde a edição da Lei Complementar 116 (não se sujeitando ao princípio da anterioridade por se tratar de dever instrumental, que não institui ou aumenta tributo). Em artigo publicado em 23.10.2003, o advogado e contabilista Doutor Jorge Eduardo Furtado Knop sustentou que posição conservadora a ser adotada pelos tomadores de serviço seria proceder com a retenção desde a edição da LC 116, pois poderiam Fiscos municipais entenderem pela eficácia imediata desde a edição da LC(7), como demonstrou ter ocorrido com alguns municípios da federação.

Concordo que pode haver entendimento qualquer por parte do Fisco, mas seria extremada a retenção sem lei municipal. Eis que a Lei Complementar 116, cumprindo emanação do artigo 146, III, da Constituição Federal, estabelece regras gerais, que operam no ordenamento jurídico como normas de estrutura e não normas de conduta, sendo, portanto, incapaz de obrigar os contribuintes do imposto municipal.

Portanto, necessária a análise da legislação municipal do ISS para constatar-se a aplicabilidade das novas obrigações veiculadas na LC 116. (Atenta-se ao fato de diversos municípios brasileiros possuírem legislação prévia à LC 116 que já exigia a retenção, casos que terão de ser analisados particularmente para aferir-se a validade da lei municipal sob a égide da nova norma geral).

Consiste a obrigação relacionada aos tomadores de serviço na retenção do imposto e recolhimento deste ao município de seu estabelecimento. O afirmado fundamenta-se no artigo 6º cumulado com o artigo 3º da Lei Complementar 116.

Estabelece o artigo 6º caput que "os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais."

O § 1º do mesmo artigo dispõe que mesmo não realizada a retenção na fonte será responsável pelo principal e acessórios o tomador dos serviços.

Enunciando os serviços em que há a transferência obrigatória da responsabilidade tributária, o § 2º determina que, sem prejuízo do disposto no caput e § 1º deste artigo 6º, são responsáveis pela retenção o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País e a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária de alguns serviços ali listados.

Sem ingressarmos na discussão que vem sendo travada acerca dos serviços importados, cumpre-nos salientar que os serviços prestados por pessoa jurídica brasileira de retenção obrigatória, listados no acima referido § 2º do artigo 6º, são todos de competência do município onde situa-se o tomador, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar.

Este artigo 3º lista 19 serviços que consideram-se prestados no município do estabelecimento tomador. Foi um grande avanço da Lei Complementar 116 em detrimento do Decreto-Lei 406/68. Isto porque tratam-se de serviços que são desenvolvidos no município onde situa-se o tomador, o fato econômico se manifesta ali, sendo justo o recolhimento do ISS neste município. Acertou o legislador, com base na inteligência da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Dessa forma, se os municípios pretenderem estender a obrigação de retenção a outros serviços, conforme são deveras autorizados pelo caput do artigo 6º combinado com o seu § 2º, deverão se ater aos limites impostos pelo artigo 3º: somente os serviços que consideram-se prestados no município do estabelecimento tomador (listados no artigo 3º) podem ter a responsabilidade de recolhimento transferida para o tomador.

Assim é, porque, se resolvesse um município aquinhoar serviço não presente no artigo 3º, haveria a dupla incidência do ISS sobre este serviço: no município de estabelecimento do prestador e do tomador. Certo, portanto, que a faculdade conferida pelo artigo 6º é limitada pelo artigo 3º, ambos da LC 116.

Municípios que pretenderem a retenção pelos tomadores de outros serviços além dos 19 previstos no artigo 3º estarão incorrendo em ilegalidade, devendo ter suas legislações questionadas pela parte que se sentir lesada (provavelmente o prestador de serviços).

Por fim, salienta-se que estes serviços que passam a ser devidos nos municípios onde está o tomador podem sofrer um aumento de custo em virtude das mudanças: no caso do município tomador ter uma alíquota maior (respeitado o limite de 5% previsto no artigo 8º, II) do que a do município do estabelecimento prestador, haverá aumento da carga impositiva, desarticulando o planejamento tributário realizado por aqueles que se estabeleceram nos municípios que têm menores alíquotas.

Neste caso, de aumento de carga, para que seja cobrada a exação no novo município, mister é que a Lei que obriga tenha sido promulgada ainda em 2003, pois aqui se está a majorar o tributo do contribuinte e não apenas fixar-lhe deveres instrumentais.


Conclusão

Seguindo a tendência, o Estado transfere suas atribuições fiscais ao contribuinte, que, além da famosa carga tributária de 40%, terá que arcar com mais esse "custo Brasil".

Muitas dúvidas pairam sobre os contribuintes, ao tratarem de assunto novo que chega sem maiores explicações dos entes tributantes. No caso do ISS, diversas empresas que não tinham contato com o tributo terão que se adaptar (grandes indústrias, que não são contribuintes do ISS, são tomadoras de serviços listados no artigo 6º § 2º da LC 116 e terão que reter o imposto).

Certo, porém, é que não efetuadas as retenções, descumpridas as novas responsabilidades, os tomadores de serviços serão duramente penalizadas.

Notas

(1) Na redação original da MP 135/03 a obrigação seria eficaz em 1º de janeiro de 2004. Quando da conversão da Medida Provisória na Lei 10.833/03 foi concedido o novo prazo.

(2) Art. 30. Os pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas de direito privado, pela prestação de serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância, transporte de valores e locação de mão-de-obra, pela prestação de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais, estão sujeitos a retenção na fonte da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, da COFINS e da contribuição para o PIS/PASEP.

(3) O "tom jocoso" presente nas críticas de Geraldo Ataliba foi atribuído por Paulo de Barros Carvalho, em palestra ministrada no dia 12 de maio de 2003, no auditório do Ciesp de Campinas/SP.

(4) ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária., 6ª edição 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 163.

(5) É de se constatar que a previsão quanto a Cofins não constava no texto da MP 135.

(6) Esclarece-se que a retenção das contribuições pelo fornecimento de bens apenas ocorre quando são estes fornecidos à administração pública nos termos dos artigos 31 e 32 citados.

(7) KNOP, Jorge Eduardo Furtado. ISSQN. Contratação de serviços. Substituição/responsabilidade tributária. Lei Complementar nº 116, de 31.7.2003. Tributario.NET, São Paulo, inserido em: 23/10/2003. Disponível em: . Acesso em: 24/10/2003.
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