A prisão em segunda instância do Direito Penal como tema afeto ao Direito Tributário

Apesar de nascer em um contexto penal, o trânsito em julgado da sentença condenatória em segunda instância e as propostas de alterações legislativas em reação à questão produzem impactos em diversos ramos do direito - inclusive no direito tributário

Lucas Emboaba
Leticia Reis
Publicado em: 30/03/2020

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou e decidiu contra a prisão após a condenação em segunda instância (ADCs 43, 44 e 54), com o reconhecimento da constitucionalidade do dispositivo que prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Em resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal, têm surgido propostas legislativas na tentativa de reverter o entendimento e alterar a legislação, que caso aprovadas, poderão afetar não só o direito penal, mas os mais diversos ramos do direito, antes de eventual intervenção dos tribunais superiores.

A proposta de alteração legislativa mais expressiva, até o momento, é a PEC nº 199/2019, proposta de emenda à Constituição que põe fim aos recursos extraordinário e especial, de competência do STF e STJ, respectivamente, criando, em substituição, uma ação revisional extraordinária ou especial, a depender da matéria em questão. Apesar de não modificar a condição para a prisão, mas o momento processual em que possível a sua implementação, a própria justificativa da PEC deixa claro que seu objetivo é reformador tanto na esfera cível, quanto criminal, ensejando reduzir a carga de ações nos tribunais superiores[1].

Apesar de o texto proposto ter sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, a CCJ, na Câmara dos Deputados, ainda há um longo caminho a ser percorrido até que promulgado pelo Presidente do Congresso.

A execução imediata das sentenças, principalmente no direito tributário, seria viável apenas em um quadro em que houvesse segurança do acerto das decisões condenatórias proferidas pelos juízes singulares de primeira instância. Na verdade, o cenário atual das decisões aos contribuintes é algo bem longe do que sugere a expressão “segurança jurídica”. Há que se considerar o elevado número de decisões que são reformadas pelas cortes superiores, especialmente às favoráveis ao contribuinte. Isso se deve, sobretudo, ao nível de complexidade que a maioria das questões tributárias envolve, exigindo um conhecimento especializado que, muitas vezes, as primeiras instâncias não possuem.

Tornar as decisões de segundo grau definitivas imporia ao Estado a responsabilidade de assumir o pagamento de valores devidos de modo imediato, obrigando o cumprimento do orçamento público. Em contrapartida, autorizaria a expropriação antecipada de bens dos devedores e, ainda na relação tributária, os impactos iriam atingir o artigo 170-A[2] do Código Tributário Nacional. Isso significa que a compensação de créditos requeridos no Poder Judiciário poderia ser efetivada a partir de acórdão favorável ao contribuinte dos Tribunais de Primeira Instância – TJ ou TRF. 

A alteração proposta pela PEC envolve impactos que devem ser analisados profundamente, considerando seu efeito extensivo aos diversos ramos do direito. Mais do que isso: caso a Constituição seja alterada nos termos propostos, diversos outros códigos também deverão ser, a começar pelo Código de Processo Civil que, em 2015/2016, revolucionou o sistema de precedentes do ordenamento jurídico brasileiro considerando a existência dos recursos especial e extraordinário e o texto constitucional vigente.

Até o momento, rondam ao tema apenas especulações e previsões de um cenário ainda incerto. É certo que, apesar de nascer em um contexto penal, a confirmação do trânsito em julgado em segunda instância acabará produzindo muitos outros efeitos, que merecem consideração na discussão legislativa. Apesar da longa jornada a ser percorrida, convém acompanharmos o caminho de perto.

Em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto a criminalização do não pagamento de ICMS (RHC 163.334), a questão ganha muita relevância, de odo que, seja pela perspectiva de crimes contra a ordem tributária e previdenciária, além dos aspectos criminais envolvendo as penalidades aduaneiras, a análise da operação e o acompanhamento de autuações por advogados especializados é imprescindível para segurança das decisões e redução dos impactos negativos.

A LIRA Advogados permanece atenta às alterações de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como as alterações legislativas para garantir orientação e atuação em nome dos clientes e parceiros.


[2] CTN, Lei nº 5.172/1966, Art. 170-A É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

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