ANPD precisa se tornar órgão independente, avaliam especialistas
Atualmente, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados pertence ao quadro da Casa Civil e não tem orçamento próprio
Por: Érico Oyama
Especialistas ouvidos pelo JOTA reagiram com desânimo à decisão da Câmara de retirar da PEC dos Dados Pessoais (PEC 17/2019) a previsão de que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) seria um órgão independente, sem vinculação à Presidência da República.
Existe uma divergência entre os atores envolvidos no tema quanto à necessidade desta previsão constar do texto constitucional, como era proposto no substitutivo da PEC 17/2019, mas há convergência na avaliação de que a decisão dos deputados mantém o pior dos cenários: a ANPD segue vinculada ao governo e não há mais perspectiva de transformação da agência fiscalizadora dos dados em órgão autônomo.
Para o advogado Danilo Doneda, membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados e Privacidade, a eventual promulgação da PEC com o dispositivo suprimido pelos deputados garantiria a exclusão da ANPD dos efeitos da hierarquia do poder público.
“A ANPD hoje não é autônoma e nem independente, é parte da Presidência da República. Com a ANPD na Presidência, é possível enfraquecer o órgão da manhã para a noite. As autoridades têm a parte meio e detém seu controle”, destaca o doutor em Direito Civil e professor do IDP.
Já para o advogado head de inovação, tecnologia e compliance, do escritório Lira Advogados, Thiago do Val, a opção pelo caminho constitucional para viabilizar a independência e autonomia da ANPD não é, de fato, o melhor caminho. Para ele, a Câmara acerta ao deixar a questão fora da Constituição, mas erra ao dispensar uma solução para o tema.
“Com a independência da ANPD, a agência seria tecnicamente mais focada, com menos intervenção política”, pondera o advogado. “Às vezes, a ANPD parece mais um ministério do que, propriamente, uma agência reguladora”.
A incerteza sobre a possibilidade de transformar a ANPD em órgão independente tem outro efeito negativo para o Brasil. Sem um órgão autônomo e totalmente desvinculado do governo na fiscalização da proteção de dados, o Brasil fica impedido de entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE) e não é possível conseguir transferência de dados com a União Europeia. “É como se a gente tivesse a lei um pouco pela metade”, afirma Doneda.
Entenda o dispositivo suprimido
A PEC 17/2019, aprovada na noite da última terça-feira (31/08) na Câmara dos Deputados, continha no substitutivo do relator Orlando Silva (PCdoB-SP) a previsão de que o órgão regulador de dados (a ANDP) seria “uma entidade independente, integrante da administração pública federal indireta e submetida a regime autárquico especial”.
Durante a análise dos destaques, o dispositivo foi suprimido pelos deputados. Autor do destaque, o líder do Novo, deputado Vinícius Poit (SP), explicou que o partido quis evitar que a questão fosse constitucionalizada. “[Isso] nunca foi feito para nenhuma outra agência”.
Orlando Silva defendeu a aprovação do dispositivo sob o argumento de que a ANPD “vai regular, inclusive, o governo, vai regular o manejo dos dados públicos”, mas foi derrotado.
A PEC 17/2019 seguiu para o Senado, que pode reinserir no texto a previsão de independência da ANPD, mas, uma mudança resultaria na necessidade de nova deliberação do tema pelos deputados antes da promulgação da emenda constitucional.
A LGPD prevê que em novembro de 2022 caberá ao próprio Executivo decidir se há necessidade de a ANPD se tornar órgão independente por meio da proposição de um projeto de lei, mas é preciso aprovação em caráter final pelos deputados e senadores para modificar a lei que hoje vincula a autoridade nacional à presidência da República.
Fonte: https://www.jota.info/jotinhas/anpd-precisa-se-tornar-independente-0209202