EC 125/22: ponte ou obstáculo ao STJ?

Nos parece que o Poder Judiciário quer um remédio para o contencioso, mas em doses homeopáticas

Clipping em: 20/09/2022

Com a Constituição Federal de 1988, além de conferir o ápice da redemocratização do país, surge um novo Poder Judiciário, cujo ponto mais relevante é a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que recebe parte da competência antes atribuída ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas aquela divisão de competência não foi suficiente para atribuir volume adequado para conferir relevância aos temas julgados, exigindo sempre novas tratativas para redução do acervo e a atribuição de “terceira” instância para o STJ e o STF.

O movimento legislativo para conferir novos contornos (ou novos obstáculos) ao acesso ao STJ, semelhante ao recurso extraordinário do STF, teve início com a PEC nº 209/2012, conhecida como PEC da "Relevância", cujo texto final resultou na Emenda Constitucional (EC) nº 125, de 2022.

A referida EC tem seu epicentro na exigência de demonstração de “relevância” do direito objeto do recurso especial. E o que seria essa relevância? A própria Constituição colaciona situações de “presunção” da “relevância”, mas decididamente não conceitua o requisito. De todo modo, a relevância presumida, nesse momento, está consolidada em: ações penais; improbidade administrativa; cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos; que possam gerar inelegibilidade; e, por fim, hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o STJ.

Ainda que a própria Constituição preveja que a lei regulamentará outras hipóteses, até o momento não se vislumbra projeto de lei, alteração no Regimento Interno do STJ ou do Código de Processo Civil (CPC) que discipline o período de transição entre os regimes processuais e oriente os jurisdicionados para cumprimento do pressuposto recursal.

Então, ainda que tenhamos que nos atentar às hipóteses descritas na Constituição como de relevância presumida, é certo que a nossa opinião é construída com a experiência da exigência da repercussão geral no STF e o exercício diário da advocacia contenciosa tributária e aduaneira.

Com efeito, não se pode ter a crítica somente pela crítica, então no ponto em que refletimos, que poderia ter sido tomada outra premissa pelo legislador constituinte (ainda que “inspirado” pelos ministros da Corte Cidadã), ousamos trazer alguma ideia em substituição.

A exigência de relevância poderá trazer um alívio imediato na quantidade de recursos direcionados ao STJ, especialmente num primeiro momento, em que se discutirá a extensão da relevância e como demonstrá-la, partindo-se de discussões corriqueiras, de modo a conseguir ultrapassar o interesse das partes litigantes para o interesse coletivo ou jurídico, para formação de precedente.

Uma vez construído o racional argumentativo, haverá adaptação ou aperfeiçoamento, após análise dos primeiros casos, pois para o recurso especial, o reconhecimento da relevância exigirá julgamento por 2/3 dos ministros que compõem a turma julgadora.

Quanto às hipóteses de relevância presumida, destacamos que ações penais são a ultima ratio da punição do indivíduo, repleto de garantias constitucionais, tornando acertada a escolha do legislador. 

Para as ações de improbidade administrativa e inelegibilidade, nos parece um ponto sensível: quanto mais amplo o sistema recursal, mais próximo do prazo prescricional está o processo. No entanto, é indiscutível que ministros, mais experientes e independentes, superam pressões políticas em prol da sociedade. 

Para a hipótese de acórdão recorrido contrariar a jurisprudência dominante do STJ, nos parece inócua, porque se o acórdão recorrido for no sentido da jurisprudência dominante, a Súmula 83, embora direcionada para recurso especial pela divergência de interpretação, é o referido verbete utilizado analogicamente para afastar recursos quando postulada negativa de vigência ou violação a dispositivo infraconstitucional federal.

Por fim, o valor da causa: 500 salários-mínimos. Seria esse um número cabalístico? Nunca se saberá, até mesmo porque tal critério independe da matéria. Então os advogados modificarão o valor da causa, ao menos na Justiça Federal, em que o valor das custas processuais é acessível, para o valor representativo da presunção de relevância, ainda que isso implique maior risco financeiro para as inúmeras possibilidades de multa baseadas nesse critério.

E se entendermos que o critério da relevância não representa o melhor caminho, o que sugerimos? Políticas de incentivo ao IRDR e identificação de temas repetitivos pelos TRFs e TJs, nos termos dos artigos 1.030, IV, e 1.036, parágrafo 1º e seguintes, do CPC.

Com a estrutura recursal para julgamentos vinculantes otimizada com mais assuntos julgados em IRDR em segunda instância e recursos repetitivos, mas com a apreciação da controvérsia jurídica em sua maior amplitude possível, julgando as questões de mérito e acessórias na mesma oportunidade, de forma a trazer resultado que solucione maior quantidade de casos.

A teoria dos precedentes é um meio eficaz para a redução do contencioso, com a escolha de temas e processos que possam orientar a conduta dos jurisdicionados e resolver o máximo de litígios.

Mas o STJ não deve seguir o caminho do STF, que afasta a ratio decidendi para acolher o julgamento de “teses”, como exemplo do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, que não resolveu teses “filhotes”, além da ausência de análise da modulação de efeitos no julgamento do mérito, resolvida somente no julgamento de embargos de declaração.

Nos parece que o Poder Judiciário quer um remédio para o contencioso, mas em doses homeopáticas.

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