Marco Legal das Startups tem saldo positivo, mas setor aponta lacunas no texto final

ESTADÃO
03 de junho de 2021
Por Matheus Piovesana

São Paulo, 02/06/2021 - O marco legal das startups, sancionado nesta quarta-feira, 1º, pelo presidente Jair Bolsonaro, deixa um saldo positivo para o setor, mas mantém em aberto temas importantes para o ecossistema brasileiro de empresas inovadoras, de acordo com especialistas consultados pelo Broadcast. Para eles, o veto a artigos que davam incentivo tributário a investimentos em startups tende a concentrar aportes em empresas maiores. No lado positivo, a simplificação da entrada dessas empresas em licitações do Poder Público é vista como um legado benéfico para ambas as partes.

Bolsonaro fez dois vetos à lei. Um dos trechos permitia que investidores pessoas físicas compensassem no imposto sobre ganhos de capital possíveis prejuízos com investimentos em startups. O outro demandava da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a criação de regras mais brandas para que essas empresas acessassem o mercado de capitais.

Os dois mecanismos, na leitura de analistas, facilitariam o desenvolvimento de startups desde o estágio inicial, quando o risco mais alto de que os negócios deem errado espanta muitos investidores.

"O investimento em startups cresce muito no Brasil, mas está concentrado em poucas grandes empresas. É um investimento de maior risco com tributação elevada", diz Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira das Startups (Abstartups). Segundo ele, a tributação a esses aportes é desfavorável na comparação com a que incide sobre ganhos com títulos de renda fixa, como letras de crédito agrícola ou imobiliário (LCAs e LCIs), por exemplo, problema que o veto ao texto manteve.

A eliminação da criação de um arcabouço de regras mais simples para que as startups acessassem o mercado de capitais, por sua vez, mantém a dificuldade de que empresas em estágio inicial cheguem à Bolsa, dadas as pesadas exigências da Lei das Sociedades Anônimas. "Isso traz um dificultador. Sabemos que o mercado de capitais movimenta muito investimento, e o veto dificulta o andamento de ofertas", diz Thiago do Val, professor da pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie Brasília.

Em relação à Lei das S.A.s, porém, os especialistas veem avanços importantes na desobrigação da publicação de balanços das empresas fechadas em jornais impressos de grande circulação e na possibilidade de que o livro societário seja digital, e não físico.

Por outro lado, há omissões. Ficaram de fora do texto a possibilidade de que Sociedades Anônimas se enquadrem no Simples e a regulamentação da tributação das 'stock options', forma de compensação aos funcionários que, a depender do entendimento jurídico, pode ser considerada uma remuneração ou uma operação mercantil, com cobranças diferentes de impostos.

Fomento estatal

A mudança mais positiva trazida pelo texto, segundo os analistas, diz respeito à contratação de startups por entes públicos. O marco legal simplifica regras para que essas empresas participem de licitações, e permite que o Estado busque soluções inovadoras nas startups, mesmo que essas soluções ainda não existam. É uma lógica diferente da empregada pela lei de licitações, que busca fornecedores consolidados, com produtos prontos, para evitar desperdício de dinheiro público.

Para os analistas, a alteração ajuda no desenvolvimento de startups com boas ideias, mas que não tenham conseguido acesso a financiamento na iniciativa privada. "As startups dependiam só do investimento privado. Este ponto dá mais amplitude", diz do Val, do Mackenzie.

A ideia é de que a relação seja benéfica para os dois lados. "Imagina uma startup com uma boa ideia e que precisa de dinheiro para desenvolvê-la? Ela ganha escala, competitividade, e o Estado ganha a possibilidade de usar essa ideia", afirma Eduardo Felipe Matias, sócio do escritório NELM Advogados.

Além disso, o marco legal permite a criação de ambientes regulatórios experimentais, os chamados sandboxes, para que as empresas desenvolvam soluções sem preocupar-se com a regulação - muitas vezes voltada para o passado.

Matos, da Abstartups, lembra que as fintechs e empresas como a Uber criaram soluções que infringiam ou testavam os limites de leis anteriores, mas que com o tempo, a lei se adaptou a elas. Um sandbox poderia tornar essa adaptação mais rápida. "Diversos países têm criado espaços em que as startups podem existir e inovar de forma excepcional ao sistema", completa.

Fonte: Estadão.

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