Voto de qualidade: Acordo é positivo, mas incerteza continua, dizem advogados
Advogados tributaristas preveem que mesmo com o acordo entre governo e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a Medida Provisória (MP) 1.160/23, que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), as ações judiciais de contribuintes pedindo a retirada de seus processos da pauta do tribunal devem continuar. Segundo especialistas, os contribuintes podem preferir esperar as movimentações no Congresso.
Embora considerem as condições do acordo vantajosas, a avaliação dos advogados é que a preferência dos contribuintes será por esperar a análise do Congresso, o que poderá conferir maior segurança jurídica aos julgamentos. De acordo com os tributaristas, a tendência vale principalmente para casos de valores mais altos ou envolvendo teses com alta possibilidade de serem decididas pelo voto de qualidade.
Há também uma avaliação entre advogados e conselheiros do Carf de que a negociação para o acordo deveria ter sido mais abrangente, incluindo contribuintes e até representantes do Congresso Nacional, responsável pela análise da MP. Além disso, julgadores do órgão veem a possibilidade de estímulo ao litígio, uma vez que as condições de pagamento para quem perder por voto de qualidade são mais vantajosas em relação às oferecidas ao contribuinte que opta por pagar o tributo na fase pré-contencioso.
Na solução proposta por governo e OAB estão previstas facilidades para contribuintes que perderem pelo voto de qualidade, entre elas o perdão das multas e o abatimento dos juros e parcelamento em 12 vezes para quem pagar o débito em até 90 dias.
"Enquanto não tiver uma lei, as empresas vão querer discutir a inclusão em pauta. Acredito que isso vai persistir. Agora, se as liminares vão sair, é outra história", afirma Cassio Sztokfisz, sócio do Schneider Pugliese.
Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers, concorda que as ações na Justiça para retirada de pauta devem continuar. Segundo ela, empresas com processos envolvendo valores elevados provavelmente vão preferir esperar a solução definitiva do tema após a conversão da MP em lei.
Já Maria Danielle Rezende de Toledo, sócia do Lira Advogados, destaca que, com as decisões no início do mês em mandados de segurança impetrados no Tribunal Federal da 1ª Região (TRF-1), a posição de alguns desembargadores se tornou conhecida. Como é impossível prever quem analisará o mandado de segurança e houve decisões desfavoráveis às empresas, ela acredita que algumas devem preferir ir direto ao julgamento no Carf caso o acordo entre OAB e governo seja referendado pelo STF.
Para a advogada, o acordo é positivo porque "traz um certo equilíbrio" e indica que o ministro Fernando Haddad "tem predisposição ao diálogo". No entanto, Toledo afirma que "juridicamente" fica desconfortável pelo fato de as possíveis alterações à MP 1.160 acontecerem por meio de intervenção do Judiciário.
"A OAB agiu de forma articulada para tentar trazer um respaldo para isso, pois o prejuízo para o contribuinte [com a volta pura e simples do voto de qualidade] seria muito significativo. Mas vai ser suficiente para forçar o Legislativo a concordar?", questiona.
Liminares
O Carf suspendeu a maior parte das sessões de fevereiro enquanto o governo negociava um acordo para tentar diminuir as resistências em torno da MP 1.160. Só foram realizados julgamentos entre 1º e 3/2. Durante as sessões, os contribuintes perderam por voto de qualidade em teses que haviam sido revertidas a favor das empresas durante a vigência do desempate pró-contribuinte, como lucros no exterior e ágio interno.
Algumas companhias, no entanto, obtiveram liminares na Justiça Federal para suspender os julgamentos sob o argumento de que a nova regra de desempate ainda não é definitiva. Como a semana que vem será de intervalo nos julgamentos do Carf, a perspectiva é que as sessões sejam retomadas somente em março.
O acordo da OAB e governo federal foi apresentado ao ministro Dias Toffoli sob a forma de pedido de liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7347. Toffoli é o relator da ADI, de autoria do Conselho Federal da OAB, que questiona a constitucionalidade da MP 1.160. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente da OAB, Alberto Simonetti, e o presidente da Comissão de Direito Constitucional da entidade, Marcus Vinícius Coelho Furtado, se reuniram com Toffoli na terça (14/02) para a entrega da proposta.
O acordo prevê a derrubada de multas para processos decididos pelo voto de qualidade, inclusive para os casos pendentes de apreciação pelos tribunais regionais federais (TRFs). Os contribuintes que pagarem os débitos em até 90 dias não precisam pagar os juros e o valor devido poderá ser pago em até 12 parcelas.
Além disso, será possível utilizar prejuízo fiscal e base negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e precatórios para amortizar ou liquidar o saldo remanescente. O acordo ainda prevê que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deverá lançar uma transação tributária específica para esses contribuintes.
Adesão
Com relação aos termos do acordo, Cassio Sztokfisz apontou que, "como solução provisória, parece um avanço", mas ressalta que o ideal seria a realização de amplo debate, com mais partes envolvidas. Na avaliação do advogado, haverá uma resistência das empresas a aderir ao parcelamento previsto no acordo porque os valores dos processos são altos e ainda há um cenário de incerteza.
Segundo Sztokfisz, muitas das teses revertidas a favor das empresas pelo desempate pró-contribuinte, e que agora o fisco busca reverter com o voto de qualidade, "têm boas chances" na discussão judicial. Apesar da necessidade de apresentar garantia, ele acredita que algumas empresas podem optar por levar os casos para o Judiciário diante da possibilidade de vencer e ter o tributo afastado em definitivo.
Para Fernanda Lains, as condições de pagamento dispostas no acordo são vantajosas, caso da exclusão de juros e multa e a possibilidade de uso de precatórios. A advogada destaca que, como o retorno do voto de qualidade, a tendência é que jurisprudência no Carf em certas teses se torne cada vez mais desfavorável às empresas.
"A partir do momento em que você entende como correta aquela decisão, vai criando uma jurisprudência, e a gente está falando de operações que vão voltar a acontecer ao longo do tempo, seja com essa companhia ou com outras. A gente vai criando um arcabouço jurisprudencial muito desfavorável aos contribuintes. Não sei se as companhias vão estar dispostas a olhar as coisas sob esse viés ou vão analisar a questão exclusivamente sob o ponto de vista financeiro", disse.
Lains, no entanto, afirma que o acordo trata os contribuintes de maneira desigual ao estabelecer condições de pagamento mais favoráveis para os que recorrerem ao Carf e tiverem seus processos decididos por voto de qualidade. "Se seu caso for decidido por maioria, de um voto que seja, você já não tem acesso a esses mesmos benefícios", diz.
Já Maria Danielle Rezende de Toledo observa que, por não levar em conta a capacidade de pagamento dos contribuintes nem limitar os descontos aos débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação - condições geralmente impostas na transação tributária - as condições para as empresas que perderem pelo voto de qualidade são atraentes.
"A gente está em um momento em que tem um programa de redução de litígio fiscal [Litígio Zero, lançado em janeiro] que tem algumas benesses. Mas me parece que esse modelo para quem perder por voto de qualidade é mais abrangente, pois não vai analisar a capacidade de pagamento ou a situação do débito para fins de desconto. Muitas empresas que não estão se adequando [ao Litígio Zero] vão pensar em relação a isso", acredita.
Aumento do litígio
Os conselheiros do Carf também reagiram ao acordo entre governo e OAB. Para alguns, o perdão de multas e juros pode acabar estimulando o litígio. Os julgadores também destacaram que o governo poderia ter ouvido mais setores.
Um conselheiro fazendário ressaltou que, se um contribuinte decide não contestar a autuação da Receita Federal, pagando o tributo no prazo de 30 dias, tem de recolher os juros integralmente e é contemplado com uma redução na multa da ordem de 50%. Para o julgador, a possibilidade de ter multa e juros inteiramente exonerados no caso de perder no Carf pelo voto de qualidade seria um estímulo para os contribuintes preferirem o litígio.
"O governo lança um programa chamado Litígio Zero, o que pressupõe redução de litígios, mas esse acordo firmado com a OAB estimula o litígio. Quem litigar poderá não pagar multa e juros, enquanto quem não parte para o litígio desde a autuação paga juros integrais e a multa só reduz em 50%", comentou.
Um outro conselheiro, representante dos contribuintes, vê a possibilidade de a solução esvaziar as discussões no Carf. "Atestar esse acordo de 'Refis do voto de qualidade' torna as discussões administrativas somente um instrumento de passagem. No futuro, pode ser que somente valha a pena entrar com discussão [na esfera administrativa] para ganhar financeiramente depois. Aí, sim, não vai fazer sentido existir o Carf. Somente restará a discussão de teses no Judiciário", criticou.
O julgador observou que o desempate pró-contribuinte teve o aval do Congresso, além de posicionamentos pela constitucionalidade no próprio STF. Para o conselheiro, o acordo entre governo e OAB enfraquece o pleito de confederações empresariais pela rejeição à MP do voto de qualidade. "Acho que deveria ter havido diálogo antes de ser publicada essa MP. E, agora, o acordo está sendo construído de forma equivocada, com pessoas que não representam a sociedade. A esperança é o Congresso", afirmou.