A Convenção de Istambul, o Carnê ATA e os procedimentos estabelecidos pela Instrução Normativa RFB 1.361, de 21 maio de 2013

Publicado em: 19/12/2013

Alan Murça

 

De acordo com a Constituição de 1988, a competência para a celebração de tratados internacionais pertence privativamente ao Presidente da República (artigo 84, inciso III), cabendo, por sua vez, ao Congresso Nacional, resolver definitivamente sobre os tratados, acordos e atos internacionais celebrados pelo Presidente da República (artigo 49, inciso I), sendo seu aperfeiçoamento aprovado pelo Poder Legislativo, sob a forma de Decreto Legislativo (artigo 59, VI). Cumprido o fluxo legislativo, compete ao Presidente da República publicar Decreto dispondo sobre a execução do tratado internacional internalizado no ordenamento jurídico brasileiro.

Diante dos ditames constitucionais, a Convenção Relativa à Admissão Temporária, também conhecida como Convenção de Istambul – elaborada no âmbito da Organização Mundial de Aduanas (OMA) em 26 de junho de 1990 – foi internalizada pelo Decreto Legislativo 563, de 6 de agosto de 2010, tendo sua execução determinada pelo Decreto 7.545, de 2 de agosto de 2011. Na época da elaboração do Decreto Legislativo, em 2010, a Comissão responsável pela elaboração do projeto, manifestou-se no sentido de que a incorporação dos procedimentos da Convenção de Istambul representaria uma maior inserção do Brasil no comércio internacional, na medida em que facilitaria o trânsito aduaneiro de bens com benefícios para o país e que a correta aplicação dos princípios e normas do tratado colocaria o Brasil em sintonia com economias mais industrializadas, dando impulso ao comércio exterior mediante ampliação de contatos e divulgação de bens produzidos no país. Além disso, de acordo com a referida Comissão, a Convenção de Istambul favoreceria a introdução de novas tecnologias pela convivência com mercadorias produzidas em outros países.

Considerando que a Convenção busca adequar o regime aduaneiro brasileiro àquele em vigor na maioria dos países desenvolvidos, proporcionar maior segurança para as operações de ingresso temporário de bens, simplificar e harmonizar os procedimentos para reduzir o tempo necessário ao desembaraço de mercadorias, a proposta deste Artigo é verificar a aderência do Brasil quanto aos Anexos relacionados no Tratado, a utilização do Carnê ATA, bem como analisar quais foram os procedimentos efetivamente simplificados pelo país. Para tanto, é necessária a análise da norma aduaneira que trata da admissão temporária no Brasil, veiculada pela Instrução Normativa RFB 1.361, de 21 de maio de 2013.

Inicialmente, é importante observar a estrutura da Convenção de Istambul, composta por 34 artigos, 13 anexos e respectivos apêndices:

 

•         Anexo A – Relativo aos Títulos de Admissão Temporária

 

•         Carnê ATA

•         Carnê CPD

•         Regularização do Sistema de Garantia

 

•         Anexo B – Anexos Específicos

 

            Anexo B.1 - Feiras, exposições, congressos ou manifestação similar

            Anexo B.2 - Material profissional       

            Anexo B.3 - Contêineres, pallets, embalagens, amostras em oper. comercial

            Anexo B.4 - Mercadorias em operação de produção

            Anexo B.5 - Fins educativos, científicos e culturais

            Anexo B.6 - Objetos de uso pessoal de viajantes     

            Anexo B.7 - Material de propaganda turística          

            Anexo B.8 - Tráfego fronteiriço          

            Anexo B.9 - Fins humanitários

 

•         Anexo C – Meios de Transporte

•         Anexo D – Animais

•         Anexo E – Relativo às mercadorias importadas com isenção parcial dos direitos e encargos de Importação

 

O Carnê ATA, conforme indica a Convenção no Artigo 1° do Anexo A, é um documento físico que equivale a título de Admissão Temporária, aceito como declaração aduaneira. Este documento permite identificar as mercadorias e facilitar sua aderência pelos países signatários sem comprometimento da fiscalização aduaneira e dos crédito tributários. É um instrumento de controle do regime especial e serve de respaldo ao Fisco para a cobrança dos créditos tributários devidos no caso de descumprimento das condições de Admissão Temporária.

De acordo com o artigo 67 da IN RFB 1.361/2013, o Carnê ATA se aplica às seguintes operações: (i) admissão de bens destinados a exposição, feira, congresso ou manifestação similar; (ii) material profissional; (iii) bens importados para fins educacionais, científicos ou culturais; (iv) objetos de uso pessoal dos viajantes e; (v) bens importados para fins desportivos.

Tendo em conta a possibilidade de reserva aos dispositivos convencionais, a Presidente da República, seguindo orientação da Receita Federal do Brasil, formulou algumas reservas[1], dentre as quais destaca-se a parcial adesão ao Anexo A, no que se refere à aceitação do Carnê ATA para o tráfego postal, devido à falta de regulamentação interna para aplicação do procedimento nesta via.

Dessa forma, o Carnê ATA se aplica relativamente às operações envolvendo importação e exportação de amostras comerciais, equipamento profissional, bens para a apresentação ou uso em feiras, shows e exposições. Tais mercadorias podem ser de diversas categorias: computadores, ferramentas de reparação, equipamento fotográfico e filmes, instrumentos musicais, máquinas industriais, veículos, joias, roupas, aparelhos médicos, aviões, cavalos de corrida, relíquias pré-históricas, sistemas de som, dentre outras. As exceções seriam os itens perecíveis, de consumo e destinados à transformação ou reparação e para fins comerciais como o caso a utilização econômica.

De acordo com as orientações do Tratado, o Carnê ATA é válido por um ano e deve ser emitido por entidade autorizada pela Administração Aduaneira (Banco ou Câmara de Comércio), a favor do exportador. Este, mediante a prestação de garantia dos direitos e encargos incidentes na importação no país ou países de destino, pode transitar com o seu bem pelos países signatários, dispensado do preenchimento de formulários, requerimentos e outros documentos aduaneiros exigidos normalmente no desembaraço aduaneiro. Ademais, conforme dispõe a Convenção, o Carnê ATA serve para garantir o retorno do bem exportado e admitido temporariamente ao país de origem sem problemas e atrasos.

Importante consignar que os benefícios do Carnê ATA se aplicam simultaneamente à Admissão Temporária e à Exportação Temporária, sendo autorizado por este documento a adoção de  procedimentos de simplificação durante o desembaraço aduaneiro, utilizáveis tanto na admissão quanto na reimportação de bem nacional ou nacionalizado. Vale esclarecer que, no caso da exportação temporária, o documento ainda não pode ser emitido, pois aguarda a Receita Federal do Brasil nomear a Organização Garantidora Nacional (OGN) que ficará responsável pela emissão do documento no país. Todavia, a Receita Federal do Brasil está reconhecendo a aplicação do documento às operações de admissão temporária.

Pela sistemática descrita na Convenção, nota-se, que o reconhecimento do Carnê ATA para as operações relacionadas no artigo 67 da IN RFB 1.361/2013 é oportuno para a Administração Aduaneira, pois, além de simplificar o rol de documentos a serem conferidos no momento do despacho aduaneiro, serve  como título para garantia de pagamento dos tributos devidos sobre a importação, evitando assim a instauração de procedimento administrativo para constituir o crédito tributário suspenso.

Além da reserva quanto à aceitação do Carnê ATA para tráfego postal, o Brasil consubstanciou outras duas importantes reservas que dizem respeito ao Anexo B.4 – para mercadorias em operação de produção e Anexo E – relativo às mercadorias importadas com isenção parcial dos direitos e encargos de importação.

Pela disposição do Tratado, as operações relacionadas nestes Anexos também teriam características de simplificação dos procedimentos, principalmente, no que diz respeito à emissão de títulos de garantias dos direitos e encargos de importação de bens para serem utilizados economicamente na produção de outros bens. Contudo, o Governo Federal, seguindo as instruções da Receita Federal do Brasil, optou por manter seus próprios procedimentos, obrigando o importador ao cumprimento de uma série de formalidades[2], como o registro da Declaração de Importação, apresentação de Requerimento de Admissão Temporária (RAT), assinatura de Termo de Responsabilidade (TR) e prestação de garantia, nos casos onde o montante dos tributos suspensos seja superior a R$ 100 mil.

Por isso, em que pese ter havido a simplificação dos procedimentos para concessão dos regimes, com a apresentação desses documentos de forma antecipada ou no momento do registro da Declaração de Importação e do Registro de Exportação, a falta de adesão plena a todos os Anexos enfraqueceu a vinculação do país à Convenção de Istambul na medida em que o Brasil prefere se manter fiel aos seus controles particulares em detrimento da adesão aos padrões internacionais.

Apesar da Convenção de Istambul[3] dispor que a parte contratante deverá examinar suas reservas a cada cinco anos, nota-se que o país, ao deixar de aderir de forma plena às disposições do Tratado, perdeu a oportunidade de efetivamente desburocratizar sua aduana e angariar uma participação maior no comércio exterior, por meio da simplificação dos procedimentos aduaneiros dos regimes aduaneiros especiais de exportação e admissão temporária de bens para utilização econômica.

Sabe-se que os bens admitidos temporariamente para utilização econômica têm um papel fundamental na economia nacional, pois possibilitam o desenvolvimento do parque industrial nacional, o conhecimento de novas tecnologias de outros países, por outro lado, ampliam contatos e a divulgação de nossos produtos fora do país. Embora seja um regime muito criticado pelas entidades de classe no Brasil, sob o fundamento de que as importações inibem o consumo de bens produzidos no país, não se pode negar tratar-se de um importante instrumento para acesso a novas tecnologias que visam a produção de bens.

Por isso, embora o país tenha avançado na simplificação dos procedimentos no que diz respeito à aplicação do Carnê ATA para bens relacionados no artigo 67 da IN RFB 1.361/2013, vê-se que, ao atribuir uma série de reservas, em específico aquelas relacionada à arrecadação parcial dos tributos, como é o caso da utilização econômica, nota-se que, à mercê de uma política de certo modo nacionalista, protecionista e corporativista, sempre temerosa da perda de controles e poder, o país mantém seu insulamento.

Dessa forma, alheio ao movimento celebrado em Istambul que visa o a simplificação e harmonização dos procedimentos, o Brasil mantém uma política ostensiva de poder que por sua vez prejudica o progresso e a liberdade de comércio internacional, mantendo o discurso desenvolvimentista sem sustentação prática.



[1]Decreto 7.545/2011

Artigo 1° (...)

Parágrafo único. A adesão da República Federativa do Brasil ao Anexo A da Convenção referida no art. 1o se dá mediante o exercício do direito de formular reserva referente à possibilidade de recusa de aceitação do Carnê ATA para tráfego postal, em conformidade com o disposto no art. 18 do referido Anexo e no art. 29, item1, da Convenção.

[2]Art. 15.O despacho aduaneiro será efetuado com base em Declaração de Importação (DI) registrada no Siscomex e acompanhada de documentos de sua instrução.

§ 1º Os tributos devidos na hipótese de aplicação do regime nos termos do art. 7º deverão ser recolhidos pelo beneficiário mediante débito automático em conta corrente bancária, conforme ato administrativo da Coana.

§ 2º O importador deverá registrar os dados relacionados com o Termo de Responsabilidade (TR) e outras informações que julgar relevantes, no campo informações complementares da DI.

[3]Artigo 29 (…)

Item 2. Cada parte contratante examinará, pelo menos de cinco em cinco anos, as disposições relativamente às quais tenha formulado reservas, compará-las-á com as disposições da sua legislação nacional e notificará ao depositário os resultados desse exame.

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