A segurança da política de preço mínimo anunciado no e-commerce brasileiro

Portal E-commerce Brasil
por Vinicius Melo Santos e Lucas Daemon Bordieri
18 de março de 2021  

Ao longo de 2020, foi ainda mais notório o crescimento das vendas online em todo país — cerca de 47% apenas no primeiro semestre daquele ano[1], em relação ao mesmo período de 2019. Esse aumento, certamente intensificado em função da pandemia da Covid-19, potencializa um desafio enfrentado por empresas que utilizam as plataformas de e-commerce para a comercialização de seus produtos. Especialmente para aquelas que o fazem por meio de distribuidores autorizados.

Neste sentido, o principal desafio passa a ser a diversidade de preços que um mesmo produto pode ter em diferentes canais de venda — ou ainda dentro do mesmo MarketPlace, haja vista que anunciados por sellers distintos e que adotam políticas comerciais diversas. Esta conduta, muito observada em operações de vendas intermediadas por vários distribuidores de um mesmo produto, em muitos casos, pode ser prejudicial à própria imagem e reputação da mercadoria comercializada e ao modelo de negócios do seu fabricante. E o mesmo vale aos seus revendedores, principalmente aqueles que despendem maiores recursos em ferramentas de marketing e de mão-de-obra especializada para impulsionar seus resultados de vendas.

Na tentativa de afastar essa realidade, muitas vezes esses fabricantes que atuam por meio de distribuidores autorizados adotam a instituição de uma política comercial fundamentada na Fixação de Preço de Revenda (“FPR”). Isso obriga seus distribuidores/varejistas a comercializarem determinados produtos aos seus consumidores finais dentro de uma limitação de preços, sejam eles mínimos, máximos ou rígidos.

Ocorre que no Brasil a FPR é uma prática vedada pela Lei de Defesa da Concorrência, nº 12.529/2011. Em seu rol exemplificativo de condutas anticompetitivas, a elenca como infração à ordem econômica (Art. 36, §3º, IX). Neste caso, pode a empresa, grupo ou conglomerado infrator ser penalizado com multas que variam de 0,1% a 20% do valor do seu faturamento bruto, obtido no último exercício anterior à instauração do processo administrativo que apurou referida violação (Art. 37, I).

Embora bastante polêmico e complexo, a FPR já foi tema abordado em algumas decisões importantes do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia federal responsável por investigar e punir as práticas anticompetitivas no Brasil.

Até 2013, o CADE utilizava em seus julgamentos a chamada “Teoria da Razão”, segundo a qual, para ser considerado anticompetitivo, o ato praticado deveria necessariamente ensejar prejuízos efetivos à ordem econômica. O caso que introduziu este entendimento foi o da fabricante de sorvetes Kibon, em 1997. Na ocasião, se considerou lícito o tabelamento do preço de revenda de sorvetes pela empresa, ao passo que não havia qualquer medida coercitiva ou retaliativa para o descumprimento da tabela sugerida pela Kibon. Isso, sem contar o fato de se verificar benefícios à concorrência de natureza intermarcas, ou seja, entre a Kibon e outros fabricantes de sorvetes.

Todavia, a interpretação de casos de FPR sob a ótica de referida teoria foi superada em 2013, quando o CADE condenou uma importante fabricante de rolamentos industriais pela prática de fixação de preço de revenda, à luz da chamada regra “Per Se”. Segundo esta nova teoria, a fixação de preços por si só já representa uma infração à ordem econômica, dado o caráter potencial dos prejuízos dela decorrentes. Neste caso, cabe ao investigado (e não ao CADE) o ônus de comprovar a inexistência de destes alegados prejuízos, para só assim não ser penalizado.

Em que pese o caso acima não tenha se tratado da revenda de produtos online, a tendência do CADE é não fazer distinção entre os canais de venda utilizados, julgando a referida conduta pela prática em si e pelos resultados dela decorrentes. Nesse sentido, à exemplo de outros países que, assim como o Brasil, possuem legislações mais restritivas em termos de defesa da concorrência, o Reino Unido, por meio da sua autoridade concorrencial CMA – Competition and MarketsAuthority’s, publicou em 2016 uma carta aberta às empresas[2], onde abordava os riscos da FPR, especificamente nas vendas online.

Nesta oportunidade, a CMA alertou o mercado sobre dois casos de produtores britânicos, a Ultra Finishing Ltd e a ITW Ltd, fabricantes de artigos de banheiros e de geladeiras industriais respectivamente, que foram condenados pela prática de FPR em vendas online. Os valores de condenação somaram mais de £ 3 milhões de libras no total.

À luz da legislação brasileira, é nesse cenário que a instituição de uma Política de Preço Mínimo Anunciado (“PMA”) aparece como uma alternativa juridicamente viável e menos arriscada em detrimento da FPR. A PMA permite aos fabricantes atuantes por meio de distribuidores autorizados, a imposição de que estes apenas comercializem seus produtos, anunciando-os a um preço mínimo estabelecido. Isto não significa, todavia, que referidos produtos deverão ser efetivamente vendidos aos respectivos preços anunciados. Trata-se de uma restrição relativa ao preço de anúncio e não ao de venda.

Por meio da PMA, tratando-se de vendas online, onde o poder de barganha para aquisição de um produto pelo consumidor final é consideravelmente menor em detrimento da venda presencial, as negociações de preços dependerão da efetividade das ferramentas de comunicação entre revendedores e consumidores finais, o que pode acontecer por meio de chats, e-mails, por exemplo.

A segurança jurídica da PMA em detrimento da FRP já foi reconhecida pelo próprio CADE em 2018, quando foi submetida à análise por meio da Consulta nº 08700.004594/2018-80 da fabricante de pneus Continental. Na ocasião, em que pese o julgamento não tenha sido unânime, o CADE por maioria de seus membros decidiu pela licitude da política a ser implementada pela Continental, considerando, principalmente 3 requisitos ali presentes:

  • (i) ausência de posição dominante de mercado da Continental, que nem de forma isolada, ou conjunta de todos os seus distribuidores, dominava mais de 20% do mercado afetado;
  • (ii) unilateralidade da política, que não fora desenvolvida ou instituída em conluio entre a Continental e nenhum de seus distribuidores, não havendo portanto nenhuma prática orientada a beneficiar ou prejudicar um distribuidor em detrimento de outro;
  • (iii) ausência de discriminação entre os distribuidores afetados pela política, haja vista que a mesma seria aplicável a todos os distribuidores dos produtos ali relacionados, em todo território nacional, tanto para os distribuidores atuantes no e-commerce, como aqueles atuantes nos pontos de venda físicos.

Assim, para os casos em que se verificarem a presença destes três requisitos indicados pelo CADE, a instituição de uma Política de Preço Mínimo Anunciado é certamente uma alternativa mais segura a ser implementada, devendo ser considerada preferencialmente em função dos riscos decorrentes de uma potencial violação à ordem econômica, que a FPR por si só pode representar.

Contudo, é sempre indispensável uma análise detalhada da operação pretendida, observando-se as suas características e as realidades do mercado em que determinada empresa atua. Tudo para que, ao final, esta tenha o melhor plano de ação possível, com todos os riscos mapeados, dentro das necessidades que o momento exige.


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