Adiamento do julgamento no STF é novo revés para desoneração da folha

Matéria veiculada dia 25 de outubro de 2021.

A dois meses do fim de 2021, a continuidade da desoneração da folha de pagamento a milhares de empresas, prevista para terminar junto ao ano, continua indefinida.

O julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF) foi, mais uma vez, postergado. Ao mesmo tempo, o Congresso discute proposta para estender por mais cinco anos o benefício, destinado a empresas de 17 setores. O desfecho no Supremo poderia definir se há chances de prosperidade para o projeto – que desagrada a equipe econômica do governo, mas é benquisto por grande parcela do setor privado.

ADI

No Supremo, o tema consta na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6632, que deveria ir a julgamento na quarta-feira (27/10), mas foi retirada de pauta. O processo foi movido pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra trecho da Lei 14.020/2020 que prorrogou o benefício até o final de 2021. A lei nasceu de uma medida provisória do governo que estabeleceu ações para frear o desemprego na pandemia. O trecho que prorrogou a desoneração foi adicionado pelo Congresso e chegou a ser vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para a AGU, a desoneração não teria sido feita após análise de impacto orçamentário, além de desrespeitar o conceito de compensação quando há renúncia pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ameaçar a sustentabilidade do teto de gastos. Portanto, sob essa ótica, a prorrogação seria inconstitucional.

O julgamento do caso foi iniciado em plenário virtual no dia 15 de outubro, porém foi suspenso após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes. Com isso, a análise será reiniciada no plenário por videoconferência.

Com o reinício o relator, Ricardo Lewandowski, deverá proferir seu voto novamente. No plenário virtual, porém, ele havia considerado que a iniciativa do Congresso se deu para preservar empregos, em um momento em que o país tem quase 15 milhões de desempregados. Para ele, que defendeu a prorrogação, não haveria ilegalidade na medida. O ministro também mencionou as exceções previstas pela LRF para períodos de calamidade pública como a pandemia de Covid-19.

17 setores

Embora a prorrogação seja discutida nesse contexto, o benefício não foi criado no âmbito da crise sanitária. A desoneração foi introduzida há dez anos e consta no artigo 7º da Lei 12.546/2011, que recebeu alterações desde então e novas extensões, sendo que a última havia sido feita em 2018, para até o fim do ano passado.

Na prática, setores considerados estratégicos pelo potencial de emprego, como têxtil, automobilístico, call center, construção civil, transporte e tecnologia da informação, não precisam recolher os 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários. Em vez disso, contribuem com 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Com o ajuste, é agregado também aumento de 1% na Cofins-Importação para que a indústria nacional não perca em competitividade para produtos importados.

"A previsão orçamentária e as análises sobre impactos foram feitas quando da aprovação da renúncia fiscal, ainda em 2011. Não se tratou no ano passado da extinção ou criação de um tributo novo, que exigiria criar compensação fiscal, mas uma extensão que pareceu não ter sido combinada com o Executivo", diz Rejiane Prado, advogada de Direito Tributário e Empresarial do escritório Barbosa e Prado, em Campinas.

Caso o STF julgue que a prorrogação até o fim deste ano é inconstitucional, os contribuintes que haviam se beneficiado até aqui podem ter que recolher o acumulado. A possibilidade, porém, seria atenuada caso os ministros decidissem pela modulação de efeitos da decisão, prevendo vigência a partir da data do julgamento. Assim, o maior impacto seria no que a inconstitucionalidade representa para o futuro: a inviabilidade de mais uma extensão, conforme a proposta no Projeto de Lei (PL) 2.541/2021.

Apesar de não se tratar de uma inovação nas renúncias fiscais, o governo argumenta que a desoneração somente neste ano deixaria R$ 9,78 bilhões fora dos cofres públicos. Olhando para o futuro, o ex-secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, chegou a mencionar, em evento no fim de setembro, que a renovação da desoneração da folha ocupa espaço no teto de gastos e, por isso, tomaria espaço inclusive do futuro Auxílio Brasil.

Para os setores afetados, o fim da política poderia acarretar demissões massivas entre as cerca de 6 milhões de pessoas que apontam empregar – sobretudo se tiverem que recolher para os cofres públicos valores retroativos num momento em que boa parte das empresas ainda tenta se recuperar dos estragos da pandemia. 

"É inquestionável que, se a prorrogação cair, essas empresas se verão tendo que recolher e até com ajustes pelo período, o que pode impactar desde a retomada de investimentos até a própria manutenção de negócios", afirma Danielle Toledo, especialista em Direito Tributário e sócia do LIRA Advogados, que atende contribuintes beneficiados. A modulação de efeitos também não seria necessariamente um meio termo. "Para os contribuintes, geraria um transtorno fazer os recolhimentos retroativos; porém, modular efeitos para evitar esse efeito também não colabora com o objetivo arrecadatório", afirma Daniela Duque Estrada, sócia do Castro Barros Advogados.

Na Câmara

Além de ter aparecido na justificativa de Lewandowski, a ameaça de desemprego é também o que justifica o PL na Câmara dos Deputados. Ele pretende estender o benefício nos mesmos moldes até o fim de 2026 e já foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação. Sobre as questões orçamentárias, o relator na Comissão, Jerônimo Goergen (PP-RS), afirma que a proposta apenas amplia duração de "sistemática de arrecadação que já se faz presente no ordenamento jurídico". Chegou a ser cogitado que o benefício fosse estendido para todos os setores, mas a proposta não prosperou.

Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o relator, Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), deu parecer no mesmo sentido, mas ainda não apresentou relatório final. Também rejeitou emendas que previam incluir novos setores ou reduzir alíquotas, já que impactariam na arrecadação. Em fala no plenário da Câmara na última quarta-feira (20/10), o deputado foi incisivo: "Se nós não prorrogarmos a desoneração da folha, poderemos ter já a partir de 2022 mais 3 milhões de desempregados".

Entretanto, a presidente da Comissão, deputada Bia Kicis (PSL-DF), disse que só pauta o projeto se houver consenso por parte do governo, o que não parece estar próximo de acontecer. Agora, o novo adiamento do julgamento no STF pode pesar para esticar essa delonga.

Nos anos em que a lei esteve em vigor, o potencial da renúncia fiscal em gerar formalização do emprego não é cravado como certo – e há questionamentos sobre se, de fato, o incentivo está gerando o efeito desejado ou se precisaria ser revisitado. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2018, indicou que, ao menos na ocupação de novos postos, o programa não teve efeitos consideráveis em três anos posteriores à lei, quando houve variação de 0,05 na média de emprego.

Os pesquisadores constaram que, em nenhum dos cenários analisados e simulados (variações do PIB e número de empresas beneficiadas, por exemplo), a desoneração sobre a folha de pagamentos cumpriu o objetivo da sua criação, que seria a geração de empregos formais. No máximo, a política teria evitado a diminuição dos postos de trabalho, o que se discute agora.

"O problema de pensar política econômica não é apenas o custo contábil, há também custo de oportunidade. Talvez seja o preço de custear empregos em certos setores, em detrimento de outros", diz um dos autores, Felipe Garcia, professor de economia da Universidade Federal de Pelotas, que pesquisa políticas públicas e programas sociais. "Não sabemos ainda quais seriam os efeitos da renovação ou fim, mas no passado os empregos não foram proporcionais ao benefício. Mas quando se tem uma política de subsídios é difícil voltar atrás sem impactos".

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