Aumento da competitividade pelo conhecimento aduaneiro

Publicado em: 26/06/2014

Alexandre Lira de Oliveira

Analisando as tendências corporativas das últimas décadas, podemos destacar a incessante busca por eficiência de processos e redução de custos entre as mais evidentes. Em muitas indústrias estes elementos determinam a competitividade da empresa, fator indicativo da capacidade de cumprimento de seu objeto social ou necessidade de encerramento precipitado das atividades. Passado tanto tempo do início da implantação de políticas como “lean manufacturing” e “downsizing”, que otimizaram a produtividade das empresas, é mais difícil encontrar novas oportunidades de redução de custos, devendo os gestores empresariais buscar meios mais sofisticados de cortar gastos inúteis.

Dada a novidade que é o comércio internacional para um país cujas fronteiras eram praticamente fechadas até os anos 90 – sendo hoje uma das menos internacionalizadas das grandes economias mundiais – e que não tem clareza de propósito quanto às suas aspirações no mercado global, não é surpreendente a ineficiência na gestão das operações de comércio exterior.

Comuns são as críticas ao setor público no que tange às deficiências físicas e procedimentais de nossa estrutura logística e burocracia, mazelas que oneram os bens importados, consumidos, fabricados e exportados pelo Brasil. Esses elementos explícitos estão, contudo, fora da esfera de influência dos executivos corporativos. Pelo lado das empresas – ao contrário do que ocorre nos países que têm cultura exportadora afirmada – também o gerenciamento das atividades de importação e exportação apresenta problemas. Na maioria das situações, não há a devida percepção da necessidade de domínio técnico dos procedimentos aduaneiros para melhoria de processos e redução de custos.

A falta de preparação para condução das operações de comércio exterior faz com que haja uma ampliação dos danos causados pelas ineficiências logísticas e burocráticas brasileiras, adicionando mais tempo a processos que já são lentos. Quando a empresa descumpre um requisito normativo, ou deixa de utilizar uma faculdade conferida pelo sistema aduaneiro, e isso resulta num questionamento, penalidade ou retenção da mercadoria, os tempos e custos do processo são prejudicados. Esses aumentos de tempo e custos são tão frequentes que as empresas calculam os seus preços considerando-os e isso contribui para que o preço das mercadorias vendidas e fabricadas no Brasil estejam entre os mais altos do mundo.

Direito Aduaneiro é o conjunto de normas jurídicas que regem a importação e exportação de produtos, determinando como deve ser o fluxo de mercadorias desde a sua expedição na origem até a sua introdução no território aduaneiro no destino, os procedimentos de controle e informação documental, tratamentos administrativos, requisitos de segurança, controle de entrada de bens no mercado consumidor, propriedade intelectual e pagamento de tributos. São normas provenientes de tratados internacionais, leis internas, costumes do comércio internacional, parâmetros de sistemas oficiais e atos de agentes públicos, cuja interpretação e aplicação depende de análise jurídica.

Conhecimento é o catalisador da excelência aduaneira[1], competindo aos particulares obtê-lo e coloca-lo em prática, mediante a criação de robustos procedimentos operacionais que assegurem o cumprimento das principais exigências legais. Os principais requisitos normativos provêm de tratados internacionais e compõem o que chamamos de “pacote aduaneiro”; são eles classificação tarifária, valoração aduaneira e regras de origem.

Classificação Tarifária

Classificação tarifária é o ponto de partida de qualquer operação de comércio internacional. Desenvolvida nos anos 50 pelo “Customs Cooperation Council” – que futuramente se tornaria a Organização Mundial das Aduanas – e veiculado pelo tratado internacional chamado de “Convenção do Sistema Harmonizado”, a nomenclatura indica procedimentos aduaneiros que devem ser respeitados para o fluxo internacional de determinada mercadoria. Também é amplamente utilizado para muitos outros fins, tais como tributos internos, políticas comerciais, monitoramento de produtos controlados, regras de origem, tarifas de frete, estatísticas de transporte, monitoramento de preços, controles de cotas e compilação de estatísticas nacionais de comércio exterior[2].

O Sistema Harmonizado é formado por um código de seis dígitos provenientes de uma estrutura lógica de capítulos (2 primeiros dígitos), posições (4 primeiros dígitos) e subposições (6 primeiros dígitos) e compreende todas as mercadorias passíveis de transações comerciais, listando-as expressamente, ou implicitamente, mediante a utilização da ferramenta “outros”. Regional ou nacionalmente, há complementação da nomenclatura, com a inclusão de dígitos adicionais. No caso de países que são membros do Mercosul, como o Brasil, dois dígitos são acrescidos, possuindo a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) oito dígitos, que correspondem ao item e subitem.

Para aplicação da NCM é necessário conhecimento técnico que resulte na perfeita observância das Regras Gerais Interpretativas, Regras Gerais Complementares, notas explicativas do sistema harmonizado de seção e capítulo, bem como ao teor dos textos dos capítulos, posições, subposições, itens e subitens. São excelentes indicativos os pareceres sobre classificação tarifária publicados pela Organização Mundial das Aduanas, fruto das reuniões do Comitê do Sistema Harmonizado, órgão gestor da “Convenção do Sistema Harmonizado”, representativo dos mais de 200 países que são partes contratantes. Além disso, deve ser verificada a existência de pronunciamentos do Comitê Técnico nº 1 do Mercosul,  de "Tarifas, Nomenclatura e Classificação de Mercadorias" (CT-1) e Soluções de Consulta e decisões em processos administrativos fiscais da Receita Federal do Brasil.

A inobservância da classificação tarifária correta é um dos principais problemas para empresas atuantes em comércio exterior no Brasil. Devido à manutenção de altas alíquotas de tributos aduaneiros e restrições ao comércio – como a proibição para importação de máquinas usadas – o erro na atribuição da nomenclatura pode resultar em consequências terríveis, como a cobrança de imposto de importação retroativo, multas e juros nos últimos cinco anos ou a impossibilidade de desembaraço de bem de produção de importância estratégica.

As empresas devem ter atenção especial no tocante à definição da classificação tarifária dos bens, contando com conhecimento sênior de produto e das normas de classificação tarifária para definição dos parâmetros que serão a base para as suas operações de comércio exterior.

Valoração aduaneira

A determinação do valor de uma mercadoria para transações internacionais é outro dos temas que compõem o “pacote aduaneiro”. Considerando que a maioria absoluta dos bens submetidos a despacho de importação são sujeitos a tributos com base em alíquota ad valorem, o valor aduaneiro equivalerá à definição da base de cálculo dessas exações.

Considerando a necessidade de uniformização da definição do valor aduaneiro, também pelo “Customs Cooperation Council” nos anos 50 foi criada a “Brussels Definition of Value”, que chegou a ser aplicada por mais de 100 países. Atualmente a matéria é regida pelo Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994, ou, Acordo sobre Valoração Aduaneira (AVA).

O AVA sugere que o valor aduaneiro equivalha sempre que possível ao valor da transação. Mesmo em operações “intercompany”, quando a vinculação societária não prejudicar o valor da transação, deverá este ser o valor aduaneiro. Nos casos em que o valor de transação não corresponda ao valor comercial equivalente à mercadoria – como na transferência de equipamento depreciado ou uma doação entre empresas vinculadas – o AVA fornece métodos para obtenção do valor aduaneiro, que deverá ser declarado pelo importador no momento da nacionalização do bem.

Complementando o texto do AVA, existem as opiniões consultivas e pareceres, que são entendimentos cogentes quanto à aplicação do Acordo a casos concretos e que esclarecem muitas situações que trazem dúvidas aos importadores no que tange aos ajustes a serem feitos no momento da importação e também posteriormente, como, por exemplo: o pagamento de royalties, descontos comerciais, existência de equipamento do importador sendo utilizado para a produção do material exportado pelo exportador, serviços de engenharia e montagem de equipamento importado e mais tantas outras situações.

Mediante o conhecimento detalhado do AVA e implantação de procedimentos de controle, as  empresas evitam a criação de exposições aduaneiras que podem resultar em grandes autuações e podem, até mesmo, reduzir a incidência de imposto de importação em alguns casos. 

Regras de Origem

Regras de origem são as normas que determinam a nacionalidade de uma mercadoria. Tem grande valia na gestão do comércio internacional, atendendo a várias finalidades: preferências tarifárias, controles fitossanitários, aplicação de mecanismos de defesa comercial, controle de fluxos de comércio entre países e blocos econômicos, entre outras. De acordo a essas finalidades, são classificadas como preferenciais e não preferenciais.

Para determinação da origem de um bem são estipulados critérios que variam de acordo com a sua natureza: para bens primários e secundários, ter sido o produto extraído ou totalmente produzido em determinado território é elemento essencial para a determinação de sua origem. No caso de produtos manufaturados, compostos por insumos procedentes de outros países ou blocos econômicos, outras regras de origem são aplicáveis, como salto tarifário[3], mudança substancial ou agregação de valor mínimo[4].

O Brasil é membro do Mercosul, zona de livre-comércio[5] composta por Argentina, Paraguai e Uruguai – tendo a Venezuela como membro em adesão – em que as exportações de produtos originários de um estado-parte são beneficiadas com 100% de preferência tarifária na importação em outro estado-parte. O Mercosul possui acordos com outros países, como México e Chile, e está negociando a criação daquela que poderá ser a maior zona de livre-comércio do mundo com a União Europeia. Além disso, existem os acordos de preferência tarifária parcial que o Brasil é parte, celebrados no âmbito da Associação Latino-americana de Integração (ALADI).

Todas essas situações em que são aplicadas regras de origem preferenciais, mostram a importância do domínio das regras de origem pelas empresas com atividades no Brasil, diante da enorme redução de custos que a existência de um certificado de origem provê para uma exportação.

Também as regras não preferenciais – ou seja, que não têm ligação com preferência tarifária  – têm impacto direto nas operações de empresas brasileiras. Atualmente o Brasil é líder mundial na aplicação de direitos antidumping, sendo que a sua imposição está ligada à origem dos bens e não apenas à sua procedência. Tem sido comum também as investigações de origem e medidas anticircunvenção[6] relacionadas à matéria de antidumping, nos casos em que há fraude ou simulação na declaração da origem dos bens visando a elidir o pagamento dos direitos.

Em nosso país as regras de origem são usadas também para programas de financiamentos e compras governamentais, como são os casos de algumas linhas de crédito do BNDES e preferências para bens fabricados com tecnologia nacional em caso de licitações. Além disso, regimes tributários como o Inovar Auto, do setor automotivo, e o aduaneiro especial REPETRO, do setor de óleo e gás, também controlam a origem dos bens favorecidos.

Procedimentos aduaneiros e operações logísticas

O conhecimento de direito aduaneiro facilita e viabiliza operações, simplificando e reduzindo escalas e custos. A utilização de operações triangulares internacionais requer cuidados especiais e a sua viabilidade gera grandes economias. Dentro do Brasil, um país de dimensões continentais, realizar um desembaraço aduaneiro em outra unidade da federação e promover a entrega ou a exportação do bem sem entrada no estabelecimento da empresa pode resultar em enormes ganhos financeiros e de tempo.

O sucesso do planejamento aduaneiro de operações logísticas complexas depende do trabalho conjunto de profissionais de diversas áreas da empresa e especialistas em legislação de comércio exterior.

Conclusão

Com a crescente e inexorável internacionalização das empresas brasileiras, é premente que haja a valoração do conhecimento técnico e o desenvolvimento de capacidades aduaneiras dentro das empresas que operam comércio exterior. O aumento da competição entre as empresas torna as margens de lucro cada vez menores, fazendo com que qualquer deslize – como uma multa aduaneira ou a inobservância de um benefício – inviabilize a operação.

Para sucesso dessa mudança cultural, é necessário que haja o envolvimento das diversas áreas corporativas que têm contato direto ou indireto com as operações de comércio exterior, tais quais Comércio Exterior (Compras, Logística), Jurídica, Tributária (Fiscal, Controladoria, Financeiro), Auditoria e Compliance. Com a análise holística do fenômeno do comércio exterior e construção de capacidade, as empresas lograrão otimizar as suas operações de importação e exportação de mercadorias, não mais gerando desperdícios. Em paralelo, almejamos que o governo brasileiro passe a ter real foco no desenvolvimento econômico, extinguindo nossas deficiências infraestruturais e burocráticas. Com os dois lados da mesma moeda engajados, a mesma se tornará forte e gerará auspícios a todos os envolvidos. 



[1]“Conhecimento – o catalisador da excelência aduaneira” foi o título da Conferência Global da Organização Mundial das Aduanas em Novembro de 2011 na China e também de artigo sobre esse tema de nossa autoria - https://www.liraatlaw.com/conteudo/conhecimento--o-catalisador-da-excelencia-aduaneira

[2]Definição constante no site da Organização Mundial das Aduanas, consultado em 24.6.2014 - http://www.wcoomd.org/en/topics/nomenclature/overview/what-is-the-harmonized-system.aspx

[3]Salto tarifário consiste na obtenção de nova de classificação tarifária para o bem final em comparação com a classificação dos insumos, podendo ser exigida mudança de capítulo, posição ou subposição, de acordo com a regra de origem aplicável.

[4]Nos acordos de preferência tarifária celebrados pelo Brasil, a regra de origem mais comum é a de agregação de valor mínimo, como por exemplo, o valor CIF dos insumos importados ser menor que 40% do preço ex fabrica do produto final.

[5]Sobre a conceituação do Mercosul como zona de livre comércio ou união aduaneira, veja nosso artigo “Livre Circulação de Bens – O aperfeiçoamento do Mercosul como União Aduaneira” https://www.liraatlaw.com/conteudo/livre-circulacao-de-bens--o-aperfeicoamento-do-mercosul-como-uniao-aduaneira

[6]Sobre as normas anticircunvenção para assegurar a cobrança de direitos antidumping, veja nosso artigo “Necessidade de implementação da legislação “anti-circumvention” no Brasil para garantia dos direitos antidumping” https://www.liraatlaw.com/conteudo/necessidade-de-implementacao-da-legislacao-anticircumvention-no-brasil-para-garantia-dos-direitos-antidumping

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