O Fim da Aceitação da Corrupção Privada no Brasil

Publicado em: 21/12/2012

 

Andréia Martins

Alexandre Lira de Oliveira

O que é Corrupção? A definição da palavra“corrupção”, segundo o Dicionário Michaelis , é: “Ação ou efeito de corromper; decomposição, putrefação;Depravação, desmoralização, devassidão;Sedução; Suborno.” Erroneamente reduzimos a palavra “corrupção” aos crimes envolvendo o funcionalismo público, talvez pela popularidade atual dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral. Contudo, também existem outras formas de corrupção previstas no Código Penal, como a corrupção de menores, de água potável, alimentos e medicamentos.

Nos casos de fraudes praticadas em relações jurídicas entre particulares – ainda existentes em processos de compras de empresas privadas – conhecida “corrupção privada” não há tipificação expressa na legislação penal brasileira, embora a prática possa ser interpretada como crime de estelionato (“obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”). Além disso, do ato emanam conseqüências também  na esfera privada, como o Direito de Concorrência e Cível e nas relações trabalhistas.

Todavia, embora seja a “corrupção privada” um ato ilícito e imoral, até hoje há alguns ambientes da sociedade brasileira que aceitam práticas como essas. Ainda persiste em determinados casos uma estranha distorção na mentalidade nacional: contar histórias de corrupção ocorridas no próprio ambiente deixou de ser motivo de vergonha, tornando-se uma espécie de distinção, pois indicam familiaridade com o poder. Aproveitamos o momento de mudança que vivemos, em que “pela primeira vez na história desse país” atos de corrupção praticados em altos escalões do Poder Público foram realmente julgados e os autores condenados, para pugnar pelo fim da aceitação da corrupção privada no Brasil.

Visitando outros ordenamentos jurídicos num exercício de Direito Comparado,percebemos na França e Holanda abordagem da corrupção entre particulares na ótica do Direito do Trabalho – suborno de empregados atenta contra o princípio da lealdade nas relações trabalhistas. Alemanha e Áustria levam em consideração a questão concorrencial, no contexto dos operadores econômicos no mercado. A Suécia aborda o tema a partir dos conceitos de privatização e distanciamento do Direito Administrativo e, portanto, a corrupção é tanto pública quanto privada, uma vez que sempre gera ineficiência econômica e custos excessivos que acabam onerando os cidadãos, seja como administrados ou consumidores.

A idéia de que apenas a Administração Pública é ameaçada pela corrupção, é, no mínimo, equivocada. Há muitos dirigentes e empregados de empresas que traem seu dever de lealdade na busca de vantagem pessoal indevida, em prejuízo dos interesses da companhia. Deixar de selecionar fornecedores e parceiros comerciais por terem os melhores preços e serviços, mas por pertencerem a determinado grupo ou oferecerem vantagem financeira ou qualquer tipo de favor, é algo que causa prejuízo inestimável para a qualidade e competitividade das empresas e de todo país. Causa a decomposição e putrefação e o pior, ninguém parece escandalizar-se com a corrupção privada no Brasil.

Em 1999 o Conselho da Europa promulgou a Convenção Penal sobre Corrupção, definindo corrupção passiva e ativa no setor privado como modelos penais a serem adotados pelos países-membros. Fundamentava-se a sugestão no entendimento de que a confiança e a lealdade eram necessárias para a existência de relações privadas e do próprio Estado de Direito. Em 2003 a ONU publicou seu diploma pela moralidade nos setores público e privado, que é a Convenção Internacional contra a Corrupção.

O conselho de notáveis que trabalha no projeto de reforma do Código Penal propõe criminalizar corrupção privada no Brasil, tendo inserido no texto a previsão de crime punido de 1 a 4 anos de prisão aquele que, representando uma instituição privada, “exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida” para fazer ou deixar de fazer uma atribuição de seu cargo. Também ficariam sujeitos à mesma pena quem oferecer, prometer, entregar ou pagar a vantagem ao representante da instituição privada.Segundo Luis Carlos Gonçalves, Procurador da República: “Estamos adequando nossa legislação ao parâmetro internacional”. Países como Itália, Espanha, França, Alemanha e Inglaterra já tipificaram a corrupção no setor privado. Trata-se da adequação da legislação brasileira à Convenção da ONU.

Esse avanço é necessário ao Brasil, de maneira a prestigiar a ética, cuja falta no ambiente corporativo, reflete o desdém dos indivíduos pelos valores da confiança e da retidão, onde a necessidade íntima de atingir um status social supera os limites morais. Típico de uma sociedade de consumismo desenfreado. Prevalece, então, os interesses individuais, ainda que comprometa o interesse social ou da empresa que se integra.

Como destaca o penalista italiano Gabrio Forti, essa difusa e abrangente corrupção causa uma estimulação recíproca de busca e oferta de suborno. Ser honesto passa a ser próprio dos trouxas. Já passou do momento de haver uma profunda mudança cultural na sociedade brasileira, afastando o “jeitinho” para a prática de questões que são ilícitas, mas usando a flexibilidade que possuímos como um diferencial competitivo. Já é hora de terminar a postura de cínicos e elegantes executivos, muito equilibrados em suas críticas contra políticos corruptos, mas que oferecem ou cobram suborno para vender ou comprar serviços e mercadorias, ou somente trabalham com pessoas de determinado grupo.

Uma das primeiras ações para a prevenção de atos fraudulentos em organizações é a estruturação das políticas de Compliance, que significa agir de acordo com uma regra, um comando ou um pedido. No âmbito corporativo é um conjunto de disciplinas que objetiva fazer cumprir normas legais e regulamentares, políticas e diretrizes estabelecidas para os negócios e atividades da instituição ou empresa, bem como para evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer.

A Ética como ferramenta de Compliance, deve ser formalizada em um “Código de Ética Corporativa”, com quatro valores básicos: honestidade, considerando a transparência nas ações e assertividade na comunicação; confiabilidade, que é a coerência do discurso com as ações; justiça, busca pelo equilíbrio dos direitos de diversos grupos; e pragmatismo, contribuições concretas que visam à perenidade da organização, ou seja, sustentabilidade.

Sem dúvida muitos ainda são os desafios dos brasileiros, mas o crescente interesse das empresas na implementação de políticas de Compliance, juntamente ao amadurecimento de nossa legislação criminal, demonstram que o Brasil está no caminho certo.

 

Referências:

Junior, Miguel Reale. Corrupção Privada. Jornal Estado de São Paulo, 01 de Setembro de 2012.

Guerlenda, Nádia.Juristas Querem Criminalizar Corrupção de Funcionários de Empresas Privadas. Folha de São Paulo, 21 de maio de 2012.

Mainardi, Diogo. E a Corrupção Privada? Veja, 05 de Julho de 2000.

Martín, AdánNieto. A Corrupção no Setor Privado. Publicação em dezembro de 2003.

Santos, Renato Almeida.Compliance Como Ferramenta de Mitigação e Prevenção da Fraude Organizacional. 6º Concurso de Monografias da CGU, 23 de setembro de 2011.

 

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