O Planejamento Tributário e o Propósito Negocial

Operações e reestruturações com o objetivo de reduzir a carga tributária exigem cada vez mais atenção dos contribuintes, diante do cenário de insegurança jurídica causado pela subjetividade na aplicação das normas jurídicas e pela ausência de uniformidade da jurisprudência do CARF.

Lucas Emboaba
Publicado em: 21/02/2020

Contribuintes que realizam planejamentos com foco principalmente na economia tributária têm sido cada vez mais fiscalizados e autuados pela Receita Federal do Brasil (RFB).

A exação  tem por base legal o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece que “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

Os auditores fiscais têm interpretado este dispositivo como uma norma geral antielisiva, utilizando-o para desconsiderar planejamentos tributários realizados por contribuintes simplesmente como forma de redução da carga tributária (chamado pelo Fisco de “abusivo”), sem que exista o chamado “propósito negocial”.

A grande questão é que não existe dispositivo legal que defina expressamente o conceito deste instituto e, consequentemente, aumenta a insegurança jurídica em razão da subjetividade na análise do que é lícito e do que é ilícito nestas operações.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem sido instado por contribuintes a enfrentar a questão, mas não há uniformidade na jurisprudência. Existem acórdãos com entendimento pró-contribuinte que estabelecem que “Não existe regra federal ou nacional que considere negócio jurídico inexistente ou sem efeito se o motivo de sua prática foi apenas economia tributária” (Acórdão 1401-002.835, de 15/08/2018).

Contudo, há acórdãos com votos vencedores de outros conselheiros, os quais entendem que o planejamento tributário exige um “algo a mais”, ou seja, que deva envolver uma estratégia ética que de fato impacte e gere benefícios e investimentos na operação da empresa e suas áreas – é o caso, por exemplo, do Acórdão 2301-005.933, da 14 de março de 2019, no qual a conselheira Juliana Marteli Fais Feriato apontou que “Não se faz suficiente a licitude dos atos realizados, tampouco a  máxima argumentativa da  liberdade empresarial de auto-organização, para legitimar as alternativas escolhidas em uma reestruturação societária, pois estas devem estar providas de causa econômica, de modo que o motivo da reorganização não seja único ou predominantemente de economizar tributos”.

Embora o Poder Judiciário ainda não tenha se manifestado conclusivamente nem formado jurisprudência, a julgar pelas divergências na Corte Administrativa e insegurança jurídica causada, é possível que os Tribunais sejam provocados a se manifestar sobre os limites do planejamento tributário e alcance da norma geral antielisiva.

O assunto tem sido debatido internamente pelos técnicos da Receita Federal, bem como pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principalmente por meio do Plano de Ação BEPS, que tem por objetivo identificar ações necessárias para combater a erosão da base tributária e a transferência de lucros, e apontar os recursos necessários e a metodologia adequada para implementá-las[1].

Parece-nos que a solução para este cenário de incerteza passa necessariamente pelo Poder Legislativo, com a elaboração de uma Lei Complementar que trate do tema, abordando com regras claras o conceito de “propósito negocial”, os limites de operações e arranjos com o objetivo de redução da carga tributária, e estabelecendo parâmetros objetivos quanto à prática aceitável de planejamento tributário.

Até lá, é fundamental que os contribuintes ajam com a cautela em tais operações e adotem medidas de mitigação de risco para evitarem ser autuados por práticas abusivas.

Bibliografias:

https://lucaseta.jusbrasil.com.br/artigos/578061893/a-importancia-do-proposito-negocial-no-planejamento-tributario   Acesso em: 19.02.2020

https://www.conjur.com.br/2015-set-01/henry-lummertz-mp-685-contraria-recomendacoes-plano-acao-beps  Acesso em: 19.02.2020

NETO, Luiz Flávio. Teorias do “Abuso” no planejamento tributário - dissertação de mestrado sobre a orientação do Prof. Luiz Eduardo Shoueri, Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 2011.

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