Poder de Mercado e Abuso em seu Exercício

Publicado em: 15/10/2009

Pedro Paulo R. Pavão


Quando da discussão envolvendo estruturas de mercado abstraimos diversas variações que vão da concorrência perfeita até o monopólio. Em algumas dessas estruturas aparece a figura do poder de mercado que, de acordo com Samuelson e Nordhaus (1993), é o grau de controle que uma firma (ou grupo de firmas) tem sobre o preço e o nível de quantidade produzida de um bem. Neste sentido, a concorrência perfeita não se caracteriza pela existência de poder de mercado e o monopólio é caracterizado pela existência de um poder de mercado elevado. O autor ainda faz referência à razão de concentração das quatro empresas (CR4) como medida do poder de mercado. Esta medida representa a soma das participações percentuais de mercado das quatro maiores empresas, muito utilizada nos Estados Unidos.

Um firma tem poder de mercado se for lucrativamente capaz de fixar preços acima daqueles que prevaleceriam em regime de competição (o valor do custo marginal[1]), conforme Carlton & Perloff (2000). Esta habilidade de fixar preços acima do custo marginal, implicitamente, admite um modelo de competição perfeita como um “markup” (marca de referência) para medir o comportamento das firmas. É difícil mensurar o custo marginal e mais ainda medir o desvio entre o preço e o custo marginal, mesmo se a legislação estabelecer o quão substancial deve ser o desvio para constituir um poder de mercado significante. Uma abordagem alternativa consiste em estimar a elasticidade-preço[2] da demanda residual (a demanda de mercado líquida da quantidade ofertada pelas outras firmas) tomando uma firma individual ou grupo de firmas juntas, resumindo a habilidade de uma empresa em exercer poder de mercado. Algumas vezes os economistas não conseguem estimar a elasticidade-preço da demanda corretamente, porque os dados estão inadequados ou indisponíveis. Desta forma, são necessárias análises adicionais das condições econômicas antes que se chegue a uma conclusão a respeito do poder de mercado.

Tomando por base a descrição de Pindyck e Rubinfeld (1999), no referente ao poder de mercado[3], a empresa em mercado competitivo chega a um preço que se iguala ao custo marginal, enquanto para a empresa com poder de mercado (monopólio ou concorrência imperfeita) obtêm-se um preço superior ao custo marginal. Disso pode-se, então, medir o poder de mercado examinando o quanto o preço que maximiza o lucro ultrapassa o custo marginal.

Diante dessa problemática, foi desenvolvido o Índice de Lerner, em 1934, para a obtenção de uma medida de poder de mercado, que é matematicamente especificado da seguinte forma:



em que L é o índice de Lerner, P é o preçodo bem e é o custo marginal. L pode variar entre zero e um, consequentemente para uma empresa em competição perfeita, L = 0, logo, . Nas possíveis variações de L, podemos dizer que quanto menor L, mais baixo será o poder de mercado da empresa, enquanto se ocorrer o contrário maior será o poder de fixação de preço da mesma. Este índice também pode ser representado em termos da elasticidade-preço da demanda a que a firma está sujeita (neste caso é a demanda individual da firma e não a de mercado). Desse modo obtemos:



podemos concluir que quanto maior a elasticidade da demanda, menor será o “markup” e, consequentemente menor o poder de mercado. Contrariamente, quanto menor a elasticidade-preço da demanda, maior será L e assim maior o poder de mercado, e por conseguinte a observação de estruturas próximas, ou igual, à de monopólio. Isto está visualizado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Elasticidade-Preço da Demanda e o Markup

O poder de mercado é originado a partir da elasticidade-preço da demanda da firma, visto que, conforme Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 375), “[...]o poder de monopólio está baseado na capacidade de definir o preço acima do custo marginal e que a quantidade pela qual o preço ultrapassa o custo marginal depende do inverso da elasticidade-preço da demanda da empresa[...]”. Três fatores condicionam a elasticidade-preço da demanda de uma empresa: a elasticidade-preço da demanda de mercado definindo um limite para a elasticidade-preço de demanda individual; o número de empresas; em regra geral pode-se concluir que quanto maior o número de empresas competindo no mercado, maior será a dificuldade para se controlar os preços, o que reflete a diminuição do poder de mercado; e por último a interação entre as empresas, isto é, quanto mais acirrada for a competição entre as mesmas no mercado, menor será o poder de mercado que podem exercer, via de regra.

“Poder de mercado está associado à capacidade de restringir a produção e aumentar preços de modo a, não atraindo novos competidores, obter lucros acima do normal; é definido como poder de fixar preços significativa e persistentemente acima do nível competitivo, isto é, dos custos médios” (Mello, 2002 p. 496). Para o autor, o poder de mercado além de ser exercido com base no aumento de preço deve também levar em conta outros meios possíveis, como, por exemplo, no caso de uma empresa que diminui os preços de forma predatória de modo a forçar a saída de concorrentes e potenciais entrantes. A participação da empresa no mercado, o chamado “market-share” é uma possível aproximação da medida do poder de mercado, admitindo-se também os índices de concentração de mercado, como CR4 e o HH, índice Herfindabl-Hirschman, que é o mais usado em matéria antitruste, decorrente de sua simplicidade e poder técnico. Este índice reflete a soma dos quadrados das participações de mercado de todos os concorrentes e melhor retrata as disparidades devido à adoção de uma especificação quadrática.

“Medidas de participação no mercado e indicadores de concentração isoladamente podem não significar muito, se não forem analisados em conjunto com outros fatores, entre os quais se destacam as condições de entrada na indústria, a existência de competidores potenciais e a dinâmica da concorrência” (Mello, 2002, p. 497).

O poder de mercado, como constado, pode ocasionar elevação dos preços e diminuição do nível de produção do mercado[4], relativamente ao regime de concorrência perfeita. Assim sendo, o mesmo impõe um custo social, como se verifica com a perda do excedente do consumidor, originando problemas de equidade e imparcialidade. Neste caso, por exemplo, uma empresa que detenha um poder de mercado excessivo, está lucrando em detrimento dos consumidores, conforme argumenta Pindyck e Rubinfeld (1999). Nesta circunstância, a sociedade busca uma forma de evitar o acúmulo de poder de mercado e conseqüentemente uma forma de coibir um possível abuso em seu exercício. Portanto, entra em jogo o campo jurídico, em que estão definidas as regulamentações[5] de mercado, com vistas a corrigir as falhas existentes na economia e com isso promover uma melhor eficiência alocativa. A regulamentação que diz respeito ao estudo se refere às leis antitruste que objetivam segundo Pindyck e Rubinfeld (1999, p. 392) “[...]promoção de uma economia competitiva, por meio da proibição de ações que sejam capazes de limitar, ou tenham possibilidade de limitar, a concorrência e, por meio de restrições, regular as estruturas de mercado que sejam permissivas”

No Brasil, para a coibição de abusos de poder de mercado e assim promoção de condições de competição, com vistas a maior eficiência econômica, surge a Lei 8.884/94. Esta lei tem como a base a Constituição Federal de 1988 em vários artigos: art. 1º, inciso IV, que diz respeito ao Estado Democrático de Direito calcado nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; art. 5º, inciso XXIII, referente à propriedade em sua função social; art.173, parágrafo 4º “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”; e art. 170, inciso IV que afirma que a livre concorrência é principio geral da ordem econômica.

Conforme vislumbra Mello (2002, p. 485), “[...] a defesa da concorrência não se resume apenas à lei antitruste e ao arcabouço institucional voltado para sua aplicação, mas também a todas as ações do Estado relacionadas a ela [...]”. Portanto o Estado, em suas ações que dizem respeito à concorrência nos mercados deve levar em conta os princípios acima mencionados.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é a agência brasileira da administração pública encarregada pela aplicação da lei antitruste.

A matéria de defesa da concorrência está situada entre o Direito e a Economia, portanto deve-se levar em conta que os temas econômicos são indisponíveis na análise de conceitos jurídicos. Os juristas não podem deixar em segundo plano os argumentos econômicos refutando todo o papel de melhor alocação dos recursos escassos do mercado que a ciência econômica pode propiciar. Pode-se dizer que o Direito dá forma aos argumentos econômicos, ou seja, o direito normatiza, por exemplo, através de uma lei que tem poder de coercibilidade sobre os indivíduos e condutas que devem ser seguidas, para que delas resulte maior eficiência e aumento do bem-estar da coletividade.

De acordo com Mello (2002), a lei antitruste procura restringir o exercício do poder de mercado, pois parte da regra que as empresas que detém este poder podem prejudicar a competição, gerando falhas, ou ineficiência. A lei reprime o exercício abusivo do poder de mercado, e não o poder em si. A norma destina-se a ações que importam as condutas dos agentes no processo de competição. Neste caso, a lei, repressivamente, prevê sanções às praticas não competitivas, derivadas do abuso de poder. A lei também é implementada nas ações relativas à estrutura, buscando, desse modo, prevenir o aparecimento de formas de mercado mais concentradas, para não elevar a possibilidade de exercício abusivo de poder de mercado. Isto é comumente observado nas fusões, aquisições etc, os denominados atos de concentração.

[...] a lei antitruste não impõe aos agentes obrigações que assegurem diretamente os resultados positivos associados idealmente à concorrência; trata-se, ao contrário, de um tipo de regulação reativa de Estado que impõe, ao agente, o dever de abster-se de praticar certos atos: “cumpre-se” a lei enquanto não se prejudica o processo concorrencial” (Mello, 2002, p. 489).

A lei de defesa da concorrência não obriga diretamente as empresas a competirem. A norma procura levar as firmas ao caminho da competição, evitando que o poder de mercado crie ineficiências, prejudicando o processo competitivo.

Conforme Mello (2002), a lei de defesa da concorrência é condicionada ao poder de mercado, mas este poder é apenas condição necessária, mas não suficiente para que se verifique algum ilícito e também é preciso que se manifeste os efeitos líquidos anti-competitivos que possam estar acontecendo ou, que potencialmente aparecem no mercado. Portanto o que é importante é o efeito líquido[6], assim sendo, condutas ou atos de concentração não devem ser sancionados (proibidos), quando seus resultados negativos (restritivos) forem compensados por eficiência (redução de custos, aumento de produtividade, qualidade, avanços tecnológicos, dentre outros), caso contrário a lei resultaria em novas falhas de mercado, o que não é desejável.

Na análise antitruste, o poder de mercado envolve dois termos: mercado relevante e posição dominante. Aquele, de modo bem preliminar, é definido como o locus em que o poder vai ser vislumbrado e refere-se à esfera de concorrência, na identificação correta do mercado, número de concorrentes envolvidos, produtos, alcance do mercado. A posição dominante é definida como o controle de parcela significativa de mercado relevante, o que por presunção relativa ocorre quando a empresa, ou grupo de empresas, controla 20% ou mais da participação no mercado. A lei brasileira usa a palavra posição dominante referindo praticamente ao mesmo conceito que poder de mercado.

Em conclusão, o poder de mercado não deve ser encarado como um propriedade explicitamente prejudicial a sociedade, sendo que o mais correto, seria entender seu exercício abusivo como condenável, desse modo, sempre é desejável notar o denominado efeito líquido anti-competitivo do poder de mercado.

BIBLIOGRAFIA:

ANUATTI NETO, Francisco. Regulamentação dos Mercados. in: PINHO, D. B.; VASCONCELLOS, M. A. S. (Orgs.). Manual de Economia. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998: 223-241.

BRUNA, Sérgio Varella de. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

CARLTON, Dennis W; PERLOFF, Jeffrey M.. Modern Industrial Organization. 3ª ed: Addison-Wesley, 2000.

MELLO, M. T. L..Defesa da Concorrência.in: KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia (Orgs.). Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticos no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2002: 485-514.

PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia.Tradução de Luis Felipe Cozac, Marcos Teixeira de Barros e Mauro Teixeira Pinto. Título original: Microeconomics, 4th ed. Ano de publicação do original: 1998. São Paulo: Makron Books, 1999.

SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, WilliamD.. Economia. Tradução de Elsa Nobre Fontainha e Jorge Pires Gomes. Título original: Economics, fourteenth edition. Ano de publicação do original: 1992. Portugal: Mcgraw-Hill, 1993.

[1] Acréscimo da receita total da empresa quando esta vende uma unidade adicional de produto.

[2] Elasticidade-preço da demanda é a medida da reação da quantidade demandada de um bem às variações em seu preço, calculada como a variação percentual da quantidade demandada dividida pela variação percentual do preço.

[3] Tal autor usa o termo poder de monopólio ao invés de poder de mercado

[4] Vale ressaltar que esta afirmação é uma regra, mas em casos excepcionais, como, por exemplo, no caso do monopólio natural, em que se tem o fenômeno das economias de escala, o poder de mercado pode ser desejável.

[5] Regulamentação de acordo com Anuatti (1998, p. 227) “é o conjunto de regras ou de ações específicas implementadas por agências administrativas para interferir diretamente no mecanismo de alocação de mercado, ou indiretamente, alterando as decisões de oferta e procura de consumidores e produtores”.

[6] A abordagem que considera os efeitos líquidos e não apenas os restritivos, é conhecida como princípio da razoabilidade (rule ofreason).
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