A Necessidade de uma Comissão para Rever a Lei 9.307/96

Publicado em: 09/05/2013

Rodrigo D’Abruzzo

 

A arbitragem é uma figura prevista no direito brasileiro desde mais de um século, mas que historicamente sempre encontrou pouca aplicabilidade no território nacional devido à herança legalista quase exclusivamente jurisdicional herdada dos países que mais influenciaram a evolução do ordenamento pátrio com inspiração massiva nas regras de direito romano.

        Tal situação passou a tomar outros contornos nas últimas décadas, quando o Brasil começou a incentivar o uso do instituto, inspirado em países com ordenamentos jurídicos diversos, e se tornou o país da América Latina que mais buscou se adequar à nova realidade globalizada de capitalismo. A atual valorização da arbitragem pelos juristas nacionais é uma excelente conseqüência deste fato e poderá, em futuro próximo, inspirar mudanças no instituto, que se encontra em constante ascendente.

      No começo do mês de abril deste ano foi publicado no Diário do Senado Federal o requerimento 702/2012, de autoria do senador Renan Calheiros, para constituição de uma Comissão responsável pela revisão da Lei 9.307 através da redação de um anteprojeto de Lei de Arbitragem e Mediação dentro de cento e oitenta dias.

      O referido texto, vigente desde 1996 no Brasil, será avaliado por uma comissão especial de seis juristas coordenada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão e composta por corpo técnico de diferentes áreas do direito, o que se mostra muito positivo quando comparado à comissão responsável pela redação em vigor, composta em maioria por pesquisadores do campo processualista civil.

       A nova Comissão, apesar de muito pequena, estimula o diálogo entre diversas óticas no direito, pois, além de profissionais da área civil, advogados corporativos e da área societária foram indicados para participar da referida revisão, o que é extremamente salutar quando considerado o fato de que são estas as áreas que mais utilizam o instituto da arbitragem e valorizam seus maiores benefícios tais como a confidencialidade, a celeridade, a flexibilidade nos procedimentos, os conhecimentos técnicos específicos dos árbitros e as decisões com efeitos práticos.

      Tal medida demonstra a preocupação brasileira em se adequar às normas internacionais, para não somente revisar a lei da ótica processualista, mas também do ponto de vista do novo mercado global empresarial em franca expansão neste país.

       É de se festejar, por exemplo, a influência de profissionais como Francisco Müssnich, que freqüentou a Universidade de Harvard para conclusão de seu mestrado e que atua em operações societárias, e da Secretária de Comércio Exterior Tatiana Prazeres, integrante do governo federal para estudos em comércio exterior e que estudou na Universidade de Georgetown.

       A medida de dar voz à área privada corporativa, ainda que tardia, é fundamental para fortalecer ainda mais a arbitragem, instituto muito apreciado em países do norte da Europa e nos Estados Unidos, onde é entendido como um método de resolução de controvérsias típico do meio empresarial. É muito provável, portanto, que a revisão bem feita da lei de arbitragem incentive ainda mais seu uso em território brasileiro, sobretudo para resolução de controvérsias oriundas do investimento de capital estrangeiro através do comércio internacional e do estabelecimento em território brasileiro de filiais e subsidiárias de multinacionais e conglomerados globalizados.

        É possível perceber uma considerável diminuição nos olhares de desconfiança sobre a arbitragem lançados no decorrer das duas últimas décadas, tendo se consolidado a prática da previsão de cláusulas compromissórias que afastem a jurisdição estatal em contratos de maior monta, que demandem sigilo das partes ou de natureza extremamente técnica.

       A área societária é uma das maiores incentivadoras do instituto em nosso país, pelos mesmos motivos expostos no parágrafo anterior. Em algumas situações, até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), que a princípio deveria encorajar o uso da aparelhagem pública, passou a eleger a Câmara Arbitral do Mercado de Capitais da Bovespa para discutir o valor investido na aquisição de parte de uma empresa frigorífica que pediu recuperação judicial menos de três meses após a participação do holding BNDESPar na sociedade empresária postulante desta modalidade de reestruturação (http://www.valor.com.br/arquivo/825319/bndes-luta-para-deixar-o-independencia).

        Segundo mencionado na própria exposição de motivos e embasamento técnico do requerimento 702/2012, há um anseio pelo “definitivo ingresso do Brasil no rol dos principais atores do cenário econômico e comercial mundial”. A nova vertente de capitalização nos países em desenvolvimento, sobretudo nos chamados BRICS, do qual o Brasil é um dos expoentes, fomentou a iniciativa de criação da comissão que pretende analisar o teor da Lei 9.307/96.

      É inegável que todas as situações decorrentes desta nova realidade econômica e financeira dos BRICS geram obrigações contratuais, sobretudo no campo do direito societário onde se operam fusões, incorporações e dissoluções, estabelecimento de franquias e constituição de joint-ventures.

        O requerimento supracitado também fala em mediação, já que não há nada no ordenamento jurídico nacional que trate claramente da matéria, pouco abordada também nas incontáveis faculdades de Direito instaladas no país. Porém, uma vez que em teoria a própria lei arbitral não deveria abordar a referida figura extraprocessual, é impossível visualizar ou supor qual contribuição efetiva a Comissão oferecerá à matéria, ou seja, se de fato algo será acrescentado ao instituto ou se o estudo permanecerá infrutífero, como o foi à época da elaboração da lei 9.307.

        Em um primeiro momento, o que parece mais sensato é que a mediação seja definitivamente instalada no Brasil como um meio pré-arbitral, como normalmente ocorre nos Estados Unidos, onde as questões não dirimidas por meio da mediação são encaminhadas à arbitragem. Tal sistemática deve, naquele país, ser prevista em cláusula contratual específica para ter eficácia no mundo jurídico e não prejudicar a aplicação de nenhum dos dois institutos.

          A Comissão instituída no começo deste mês, porém, é controversa. Juristas como Carlos Alberto Carmona defendem que o ordenamento arbitral é recente e não demanda reforma, uma vez que a lei brasileira tem sido aplicada e internacionalmente reconhecida. De outro lado, a defesa do coordenador Luis Felipe Salomão sustenta o fato de que inexiste risco de retrocesso face o fato de que o projeto visa tão somente revisar a legislação, sem efetivamente comprometê-la tecnicamente, alterando ou substituindo procedimentos já consolidados através da lei 9.307/96.

          A idéia do coordenador é buscar nas práticas internacionais reconhecidas como seguras o respaldo às decisões exaradas através da lei brasileira de modo a não permitir o questionamento destas por poder judiciário estrangeiro com base em norma oriunda de outro ordenamento legal, o que possibilitará resolver controvérsias de alta complexidade de forma célere, fomentando um maior volume de investimentos e transações comerciais, tornando o Brasil uma referência no ramo da arbitragem com respaldo normativo eficiente e seguro para quem nele tenha que buscar guarida.

            A Comissão ainda sustenta que as alterações no ambiente empresarial e na economia nacional, aliadas às alterações no ordenamento jurídico pátrio e à reforma do Judiciário, são justificativas plausíveis à revisão da lei arbitral, inclusive pelo fato de terem sido identificadas interpretações divergentes do texto nos tribunais superiores que podem ser afastadas com a revisão dos juristas nomeados para tanto.

            Também deverão ser alvo de atenção do ministro do Superior Tribunal de Justiça nomeado coordenador da Comissão as hipóteses de competência entre o juízo arbitral e o Poder Judiciário no momento em que uma das partes se recusa a levar o litígio para a arbitragem após a identificação de uma cláusula vazia, que é aquela onde se adota o instituto, mas não se estabelecem as regras de constituição e procedimento, tornando-a inócua na prática jurídica.

          A secretária de Comércio Exterior do MDIC, Tatiana Lacerda Prazeres, convocada para a Comissão de juristas composta pelo Senado Federal, defende a postura adotada por Luis Felipe Salomão:

“Queremos aperfeiçoar o que existe e avançar na direção correta: a do fortalecimento da arbitragem como método de solução de controvérsias. Queremos continuar na direção já trilhada, e desejamos aperfeiçoar e atualizar a lei à luz da nova realidade brasileira e da ambição do país de se inserir de maneira cada vez mais competitiva na economia global”. (http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/ noticia.php?area=5¬icia=12293)

            Como outrora mencionado, porém, há grande resistência no mundo jurídico quanto à necessidade de elaborar uma nova norma, já que a lei arbitral é recente e possui excelente redação. Os juristas que atuam no meio arbitral terão de fiscalizar os atos da Comissão para evitar que sobre a nova redação recaia o viés político que poderia prejudicar a boa reputação e seriedade com que a norma é atualmente tratada no Brasil.

            Da Comissão se espera ao menos que pontos hoje ainda obscuros sejam esclarecidos, como a aplicação de medidas cautelares, que na atual lei não podem ser tratadas pelo árbitro, e a revisão de algumas hipóteses que levam à competência concorrente entre Poder Judiciário e Câmaras Arbitrais.

            Considerando as diversas vantagens e total adequação do instituto ao mundo corporativo, é de essencial importância que os trabalhos exercidos pelos juristas nomeados caminhem no sentido de sanar dúvidas, fortalecer e engrandecer o instituto, tão promissor em terras brasileiras.

            Do contrário, a dependência do poder julgador deste Estado de Direito tornará ainda mais rígidas as normas jurídicas brasileiras de modo que, ao invés de alavancar sua economia e tornar realidade a constante promessa de vanguarda, poderá consolidar a idéia de que o Brasil é um país de regras arcaicas, de segurança jurídica inexistente e protecionismo extremo, o que anulará todos os esforços no sentido de torná-lo um dos pólos de investimento global e de relações internacionais sólidas, sobretudo comerciais.

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