Compliance officer e a responsabilidade penal

Publicado em: 27/02/2014

 

Gustavo de Oliveira Nogueira

                  Vivemos ainda hoje as repercussões da Ação Penal 470, tramitada no Supremo Tribunal Federal, mais conhecida como ação penal do mensalão, que recentemente deu cumprimento à sua sentença, levando alguns dos seus condenados a iniciarem o cumprimento das suas penas. Entre esses, figura o, ex-diretor do Banco Rural Vinícius Samarane, condenado, por gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, a uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão e multa de R$ 598.000,00 (quinhentos e noventa e oito mil reais).

            O Sr. Samarane exercia, no estatuto do banco, a função de compliance officer, segundo veiculado na mídia, na cobertura do julgamento da aludida Ação Penal[i][i]. Aimputação que lhe foi feita se resume em ter ajudado a omitir do sistema de informações do Banco Central os nomes dos beneficiários dos recursos do mensalão sacados das contas de Marcos Valério, outro réu condenado da Ação Penal 470.

            Muito embora tenha, o Sr. Samarane sido condenado como co-autor dos crimes praticados pelos demais réus, suscitou-se a possibilidade de ter ele que responder a por um crime omissivo impróprio, na função de garantidor, atraída pelo exercício da atividade de compliance officier.  Ou seja, cogitou-se, ao menos no meio acadêmico, que cabia a ele, pessoalmente, o dever de zelar pela regularidade das transações financeiras da instituição bancária na qual exercia a função estatutária.

            Importante consignar que a atividade de compliance officer, se subsume em implementar controles internos tendentes a prevenir e evitar o cometimento de atos ilícitos, e essa função está hodiernamente vinculada às políticas de governança corporativa alinhadas a preceitos éticos e a boas práticas empresariais. A ideia de responsabilidade penal para alguns gestores, nesse contexto, parece ser um assunto distante de sua área de atuação.  

            Nessa esteira, o que é preciso se atentar é que a principal função do compliance officer é a da prevenção, inovando na lógica da persecução penal, que estava habituada a cuidar das condutas comissivas ou omissivas depois do direito tutelado violado e, talvez, esteja aí a grande importância do criminal compliance de atuar no antecedente, mitigando riscos e evitando ilícitos.

            Contudo, isso repercute na empresa numa intricada cadeia de responsabilidades penais convergentes ao compliance officer, mas, não findando nele. Os gestores da alta administração que possuem ascendência sobre compliance officer também terão suas responsabilidades apuradas, pois a eles também cabe a incumbência do dever de vigilância.

            A afirmação acima não é tão facilmente compreendida quando se imagina a figura ilustrativa da omissão imprópria do direito penal, que comete aquele que tem o um dever legal ou contratual de garantidor. Exemplo clássico disso é a babá que, ao exercer sua atividade, transplanta-se para um papel de garantidor da integridade física e mental do bebê, ficando aí evidente qual é a sua função de garante. Mas, no caso de um compliance officer submetido a uma atividade complexa onde a incidência da norma penal não se faça clara e em que uma ação na mesma medida possa parecer ilegal, como possa parecer legal exigir dele a certeza da conduta? Seria razoável?

            Aqui vale uma reflexão: no caso de condutas que possam parecer ilegais e seja preferível abster-se de exercê-las, abre-se um paradoxo ao se pensar que elas também possam parecer legais e, assim sendo, há uma margem de conduta lícita sendo abdicada pela incerteza da incidência de uma norma incriminadora. Portanto, poderia o Estado interferir nessa área cinzenta de incerteza?

            As perguntas provocativas têm um objetivo: induzir na compreensão de que o Estado cada vez mais transfere ao particular as obrigações do policiamento do cumprimento da norma. Antes o Estado se preocupava em munir-se de técnicas e possibilidades legais de fiscalizar a empresa de fora para dentro; agora é notável que a estratégia é exatamente a inversa, de iniciar a persecução de dentro para fora, e os exemplos evidentes disso são o compliance officer e a figura do whistleblower, que é o denunciante das práticas ilícitas. Nos Estados Unidos ele é premiado pecuniariamente por esse ato. No Brasil, no Distrito Federal, há um projeto de lei nesse mesmo sentido.[ii][ii]

            Não há dúvida que o compliance officer, em regra, assuma um papel de garantidor e tenha sua conduta analisada sob a ótica penal da autoria, participação e omissão imprópria, assim como, ao dar pareceres, haverá a análise da teoria do dolo, da consciência da ilicitude e do erro de proibição.

            Como se vê, a função de compliance officer, atrai a responsabilidade de natureza penal, porém isso ainda é uma área em desenvolvimento. Na Alemanha, por exemplo, após um julgamento sobre a matéria, criou-se uma linha de pesquisa e uma livre docência sobre criminal compliance. Nos Estados Unidos mais amadurecido com o tema, a Society of Corporate Compliance and Ethics, em seu código de ética[iii][iii]destinado aos profissionais de compliance, prescreveu que,um ao tomar conhecimento de qualquer decisão de sua organização empregadora que, implementada, venha constituir má conduta, o profissional de compliance deverá recusar a consentir com a decisão, encaminhar o assunto à alta administração e, se após tomar essas providências, a empresa continuar na prática da atividade irregular, deve considerar entregar o seu cargo e reportar a conduta para as autoridades públicas.

            No Brasil a figura do compliance officer ficará em maior evidência, e teses que o incriminem também ganharão maior destaque. Portanto, a atividade deve ser encarada com retidão, seriedade e compromisso com as normas vigentes, caso contrário o noticiário terá outros “Samaranes” à apresentar. 

 


 



[i][i]http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/perfil/vinicius-samarane.shtml

http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2012/09/10/supremo-comeca-a-julgar-lavagem-de-dinheiro-no-mensalao/

[ii][ii]Câmara Legislativa do DF - PL 857/2012.

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