Guerra Fiscal Efeitos do julgamento do Supremo Tribunal Federal
Visando a atração de investimentos para seus respectivos territórios, alguns Estados vinham oferecendo benesses fiscais, como a redução ou o diferimento de imposto, para incentivar a migração de determinados agentes privados, os quais eram atraídos em função dos menores custos em suas operações e, consequentemente, dos maiores lucros.
Ocorre que alguns Estados concediam benesses e incentivos fiscais de forma exacerbada, gerando por vezes desigualdade concorrencial, caracterizando a denominada "guerra fiscal", ou seja, a competição entre os Estados que se utilizam dos tributos para atrair os investimentos privados.
Com o intuito de evitar a "guerra fiscal" e amparada pelo artigo 155, §2º, inciso XII, alínea "g" da Constituição Federal [1], a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, dispôs sobre a necessidade de convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias (ICMS), afirmando que tais convênios serão celebrados em reuniões nas quais haja representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de membros do Governo Federal (no caso, o Conselho Nacional de Política Fazendária CONFAZ) e a concessão dos benefícios dependerá de decisão unânime dos Estados representados.
Em que pese a expressa determinação no sentido de ser necessária a concordância dos 26 Estados e do Distrito Federal bem como a autorização do CONFAZ para a concessão de benefícios fiscais, alguns Estados a ignoraram, criando incentivos financeiros próprios para apoiar as empresas sediadas em seus territórios.
Em síntese, esses programas basicamente concedem créditos que ocasionam diminuição da carga tributária para o estabelecimento remetente, mas continuam transferindo créditos ao adquirente em sua totalidade. Ou seja, o Estado da empresa remetente renuncia ao imposto à ele devido e obriga que o Estado destinatário das mercadorias e produtos reconheça os créditos transferidos, com base na alíquota destacada na nota fiscal.
Diante dessa situação, no início de junho do corrente ano, o Supremo Tribunal Federal, através de Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADI propostas por entes da Federação, julgou inconstitucionais 23 normas estaduais, dentre as quais as do Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, que beneficiavam empresas e setores econômicos por meio da redução de bases de cálculo, alíquotas e outros incentivos no recolhimento do ICMS, sem a aprovação do CONFAZ.
Com base na decisão proferida, os demais casos sobre o mesmo tema que estão aguardando julgamento poderão ser decididos liminarmente, consoante afirmado pelo Ministro Cesar Peluso, unificando assim o entendimento da Corte.
Entretanto, não obstante a enorme relevância desta decisão, o Supremo deixou de especificar se as empresas que se beneficiaram terão ou não de recolher as diferenças durante o período em que usufruíram as benesses e, em caso positivo, de que forma, se acrescidas ou não de multa e juros, o que poderá gerar inúmeras discussões judiciais, inclusive sob o argumento de que as leis gozam de presunção de constitucionalidade e, assim, eventual descumprimento da Carta Magna pelos Estados e Distrito Federal não pode ser atribuído aos contribuintes que agem de boa-fé.
Logo, cumpre salientar que os efeitos desta decisão ainda repercutirão em diversos estudos, tanto pelos Estados e Distrito Federal, como pelo CONFAZ, Governo Federal e Congresso Nacional, gerando, consequentemente, a edição de leis e resoluções sobre eventual uniformização de alíquotas, restrições de base de cálculo, faculdade para instituição de alíquotas internas inferiores à interestadual e, sobretudo, requisitos para a prática da competição fiscal lícita, consoante afirmado pelo ex-secretário da Receita Federal do Brasil, Everardo Maciel [2].
Diante da atual sistemática, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, analisando um recurso interposto contra o governo do Mato Grosso, decidiu que os estados, antes de procurar os meios jurídicos para resolver a questão, não poderão impedir o uso de créditos presumidos de ICMS na entrada de mercadorias advindas de Estados que concedem benefícios fiscais.
Por fim, insta salientar novamente que a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal ainda surtirá inúmeros efeitos nos diversos setores econômicos e empresariais, porém, não há dúvidas de que as empresas devem se atentar aos benefícios fiscais oferecidos pelos Estados da Federação ou Distrito Federal, com o intuito de atraí-las, visto a consolidação do entendimento de que essas benesses só poderão ser concedidas mediante acordo federativo, firmado no âmbito do CONFAZ.
[1] CF, art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
[2] Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 06/06/2011.