Obsolescência Programada de Produtos

Publicado em: 03/10/2009

Pedro Paulo R. Pavão


O processo de industrialização e, como conseqüência, o desenvolvimento da cultura industrial deu-se de forma e períodos diversificados nas diversas nações. Um dos aspectos do trabalho de Saad (2001) consiste em procurar mostrar conceitos e fatos históricos sobre o processo industrial e os instrumentos que incentivaram consumo de bens materiais, usando como paradigma a Alemanha e os Estados Unidos.


Na Alemanha admite-se em sua história, a presença de uma visão funcionalista, que aponta para a utilidade, economia e eficiência, devendo o objeto de consumo vislumbrar, com exatidão, a sua estrutura e ser autêntico, bem adaptado aos seus fins de consumo, padronizado, simples, manufaturado e de preço razoável. Um utensílio de trabalho, por exemplo, reflete, em geral, os princípios funcionalistas. Desse modo, sua forma reflete o uso para qual foi construída.


Vale ressaltar que nem a Alemanha, nem os Estados Unidos demonstraram, ao longo do desenvolvimento de suas culturas industriais, somente os aspectos respectivamente funcionalistas e consumistas.


Os Estados Unidos foram os primeiros na racionalização e padronização da produção, criando métodos que geravam produtos, cujos preços eram mais acessíveis à população. A utilização de estratégias de alavancagem de consumo e o surgimento de bens que tivessem menor tempo de vida útil, por parecerem ultrapassados, começaram a aparecer no final dos anos vinte, diante do contexto da crise gerada pela quebra da bolsa de Nova York. A crise de 1929 acarretou o fechamento de muitas empresas, e as que sobrevieram tiveram que adotar estratégias adequadas à continuidade de suas vendas, serviço este nada fácil, diante da falta de recursos disponíveis. A aparência dos produtos passou a ter importância relevante no momento da compra, então as firmas americanas, nessa época, passaram a implementar conceitos de moda para fazer seus produtos mais desejáveis. Vale ressaltar que o aumento das vendas teve como um dos fatores condicionantes o incremento e modificação da publicidade e propaganda. Estas mudanças são relatadas, genericamente, pela revista, rádio, cinema, televisão, que logo tornou-se o instrumento mais eficaz à propaganda.


Começaram a surgir novas tecnologias, possibilitando o uso de materiais diferenciados, como o plástico e o alumínio para a fabricação de diversos produtos de consumo. Na década de vinte o número de empresas havia aumentado, desse modo a competição tornou-se mais acirrada para a conquista do mercado consumidor. Logo, diante dessa situação surgiram os produtos com estilos diferenciados, ou melhor, produtos que tinham manipulação de características, como a sua aparência externa, para que ficassem mais atrativos aos demandantes e assim, funcionando como meio de incremento às vendas. Um bom exemplo é o mercado automobilístico, em que a GM começou a temer o perigo de saturação do mercado, e em 1925, o setor de vendas da empresa aderiu à produção por modelos anuais de seus bens, em vez de garantir, de forma mais relevante, melhorias tecnológicas anuais, dando origem à concepção consumista dos americanos. Vários outros setores, além do automobilístico, passaram a usar esta mesma estratégia de renovação anual dos modelos, ocasionando um incentivo à substituição por modelos ou produtos novos.


Na década de sessenta, Packard[1] (1965, apud Saad, 2001, p. 25) fez um estudo em que analisava as estratégias usadas nos Estados Unidos para incentivar o consumo em massa, enumerando noves estratégias:


  • estimular a compra de vários itens de um mesmo produto;
  • incentivar a aquisição de um novo produto, desfazendo-se do velho;
  • incentivar a substituição de peças, ao invés de concertá-las, quando não conseguiam convencer o consumidor a jogar o produto fora;
  • dificultar os meios de o consumidor ter conhecimento sobre o valor real do produto, promovendo constantes liquidações;
  • facilitar a obtenção de empréstimos e financiamentos para a compra de bens de consumo;
  • incentivar o hedonismo, buscando eleger o prazer individual e imediato como o único bem possível;
  • estimular o aumento da população, aumentando desse modo o número de consumidores em potencial; e
  • utilizar alguns meios específicos para atingir a obsolescência programada.

Neste contexto, Packard define três modos diferentes de obsolescência programada, ou seja, formas pelos quais um produto pode se tornar obsoleto, que são baseadas na função, qualidade e desejabilidade.


A obsolescência de função é aquela em que um produto existente torna-se antiquado, quando da introdução de um produto novo que executa melhor a função. De acordo com Saad (2001) esta forma de obsolescência é a mais louvável, visto que são criados produtos novos que executam melhor a função designada, gerando efetivas contribuições aos demandantes. Assim, um remédio novo que não produza mais efeitos colaterais para uma dada doença, melhora a qualidade de vida dos indivíduos que necessitam da droga.


A obsolescência de qualidade de um produto refere-se à circunstância do planejamento para que este quebre ou gaste-se em determinado tempo, normalmente não muito longo. Para Saad (2001), esta obsolescência é passível de recriminações e sanções do ponto de vista ético. Vale salientar que do ponto de vista legal, também, pode existir impedimentos, como ocorre na legislação do Direito do Consumidor, limitando prazos mínimos de garantia e também no Direito Concorrencial, em relação ao abuso de poder de mercado.


“A empresa sabe que seu produto vai quebrar em curto período de tempo e não toma nenhum tipo de providência para evitar este desgaste. Algumas vezes esta ação é proposital, colocando no produto elementos mais fracos que não vão resistir ao que seria a vida útil ideal. Em outros casos é mais difícil localizar a responsabilidade da empresa, pois com um pequeno investimento se poderia aumentar muito a vida útil do produto, o que, por políticas internas da própria empresa, não é feito”. (Saad, 2001, p. 26)


Um exemplo interessante levantado pelo autor, que diz respeito a este tipo de obsolescência, manifesta-se quando um software deixa de realizar intercâmbio de informações e dados. Este fato ocorre, por exemplo, quando o usuário não faz freqüentes atualizações das versões desse software, pois versões mais atualizadas lêem arquivos gerados por versões antigas, mas estas nem sempre lêem arquivos gerados de versões mais novas. A obsolescência gerada pela perda da qualidade também foi uma estratégia usada pela indústria automobilística nas décadas de cinqüenta e sessenta. Nesta ocasião, conforme aponta o autor, algumas peças dos automóveis eram sub-dimensionadas, e com o passar de um curto intervalo de tempo quebravam ou desgastavam-se. Estas peças referem-se aquelas que não comprometiam o desempenho do carro, como, por exemplo, as que fixavam elementos na carroceria, com vistas a minimizar a perda de credibilidade frente aos usuários. Desse modo, o automóvel não quebrava, deixando de funcionar, mas em pouco tempo ouviam-se barulhos de lataria, o que dava a sensação de que o carro estava obsoleto, ou seja, velho, incentivando sua substituição.


E por fim, a obsolescência de desejabilidade. Nesta situação, um produto que ainda está tecnicamente em condições de uso, em termos de qualidade ou performance, revela-se “gasto” nos pensamentos das pessoas, devido a um aprimoramento de estilo ou outra modificação que faz com que o mesmo seja menos desejado. Esta modalidade, embora não traga melhorias em termos de qualidade, pode ser importante para as firmas manterem um mercado consumidor cativo. Este mercado deve estar propenso à troca de produtos constantemente, somente porque os novos bens tornaram-se mais atrativos. Nesta situação, a propaganda e o marketing são os principais aliados das empresas, porque proporcionam aos consumidores a visualização de contribuições proporcionadas pelo produto, onde não necessariamente existam. A propaganda utiliza muitas vezes de metáforas para atingir a venda, a mensagem primordial da propaganda pode deixar de lado características e aspectos funcionais do produto de venda, passando a inserir elementos de apelo emocional, como, por exemplo, figuras simbólicas, nas quais sonhos, desejos, sentimentos são vislumbrados como modernidade, auxiliando as vendas.


Estas formas de obsolescência, como também as demais estratégias de venda referidas, foram elaboradas na década de sessenta. Mudanças significativas surgiram daquela época até agora, mas estas estratégias ligadas às vendas continuam a serem utilizadas para a manutenção da empresa no mercado e para tornar os produtos competitivos, ou seja, continuam a ser válidas atualmente, conforme aponta Saad (2001).


Na época da publicação do trabalho de Vance Packard, os produtos ligados à área de informática ainda não estavam dispostos de maneira acessível aos consumidores e, nem existia um mercado tão globalizado. Atualmente, a velocidade com que são colocados novos produtos no mercado é elevada, seja no respeito a hardwares ou softwares, o que faz refletir se estes novos produtos são necessários ou se não passam de maneiras para implementar as vendas das firmas. Saad (2001), em seu trabalho, verifica que o mercado de informática é um achado para a indústria da obsolescência programada, mais especificamente seu estudo é direcionado ao software Autocad, que nos últimos anos vem sofrendo atualizações a cada dois anos, deixando dúvidas se estas mudanças resultam em efetivas contribuições para o usuário, ou se servem somente como forma de estimular a demanda pelo produto. O autor admite que o Autocad é uma ferramenta de trabalho, para ser utilizada por profissionais da área técnica, na criação de desenhos técnicos. Logo, caracterizado como ferramenta de trabalho deveria ter as características funcionalistas. Na prática se verifica que as características durabilidade, custo, elevada utilidade, bom funcionamento e simplicidade nem sempre são encontradas facilmente nos softwares, bem como em suas atualizações.


A obsolescência programada, em uma visão mais genérica, de acordo com Bulow (1986, p. 729) “is the production of goods with uneconomically short used lives [...]”. Em síntese, a obsolescência programada consiste genericamente na redução artificial da durabilidade de um produto, de modo a induzir os consumidores a novas aquisições de produtos substitutos dentro de um prazo menor e, conseqüentemente, com uma freqüência maior, do que fariam naturalmente. Dizendo de forma mais prática, é o fato de a indústria produzir bens de consumo com vida útil mais curta do que seria tecnicamente possível. O produto, por exemplo, é fabricado para durar menos horas, dias ou anos e perder qualidade de tal forma que se torne totalmente ineficiente, exigindo sua substituição por outro revitalizado pelas características próprias do que é novo: vigor e eficiência.


A durabilidade é vislumbrada como a extensão de sua utilidade no tempo. Assim sendo, não se restringe apenas à redução da duração do produto em si mesmo, enquanto integralidade material e funcionalidade técnica, não considerando apenas o produto em si mesmo, mas também a perda ou redução de sua utilidade efetiva, após determinado período. Por exemplo, ainda que um computador esteja em boas condições de uso, mas o lançamento de novas tecnologias de alguma forma impeça seu uso decorrente de incompatibilidade com outros computadores ou acesso a novos softwares, podemos confirmar que a durabilidade está diminuída, em termos práticos.


Esta prática de redução de durabilidade, como visto, pode ocorre de muitas formas, desde as sutis às mais sofisticadas, como se verifica na indústria da moda, em que se verifica, claramente, manipulação do fórum íntimo das pessoas, de modo que os produtos adquiridos, mesmo em perfeitas condições técnicas de utilização, tornem-se irrelevantes. Também, por meios muito mais óbvios e simples, como é o caso do produtor que, ao lançar no mercado uma linha nova de produtos, simplesmente cessa a produção de insumos, essenciais à utilização dos produtos da linha anterior. Esta forma, por exemplo, pode ser encontrada em mercados cativos ou “locked-in markets”, que de acordo com Bruna (2001, p.100) surge principalmente em mercado de bens duráveis, diferenciados, onde encontramos um mercado secundário de peças para reposição.


Como visto anteriormente, para o melhor êxito da prática de obsolescência programada, as empresas adotam estratégias de marketing. Para Kotler (2000), o marketing é vislumbrado como o trabalho de criação, promoção e fornecimento de bens, serviços, dentre outros. Os profissionais de marketing têm a disposição técnicas de estímulo da demanda por produtos de uma empresa, cujo objetivo é influenciar a velocidade, o nível e a composição da demanda com a finalidade de alcançar metas da organização. Exemplificando, se a demanda por um produto de uma dada empresa estiver em declínio, os operadores de marketing devem analisar as causas da queda das vendas e determinar se poderá ser reestimulada a partir de novos mercados-alvo, com mudanças nas características do produto ou com comunicações mais eficazes, adotando estratégias mais eficazes de se chegar à finalidade desejada.


Na visão do mesmo autor, para que a empresa continue em uma posição de liderança no mercado, deve adotar ações, dentre as quais se destacam a expansão do mercado total, que diz respeito à busca de novos usuários, novos usos e utilização mais intensa de seus produtos. Diante desse enfoque de expansão do mercado, o autor sugere a estratégia de convencer os consumidores a usarem uma maior quantidade de um produto. Face a essa sistemática, traz a idéia de obsolescência planejada, que estimula a repetição de compras com a produção de produtos que se quebram ou se desgastam mais rapidamente, trazendo referência a três exemplos intrigantes e também discutíveis. No primeiro exemplo, relata sobre os fabricantes de shampoo, que tentam convencer as pessoas a usarem mais os seus produtos com a seguinte sugestão de uso inserida no rótulo: “aplique, enxágüe e repita a operação”. Ninguém sabe, ao certo, se existe mais beneficio na reaplicação. O segundo exemplo diz respeito à Michelin, empresa fabricante de pneus, cujo objetivo era incentivar os donos de automóveis franceses a andarem mais quilômetros por ano, ocasionando um número maior de substituições de pneus. A empresa teve a idéia de classificar os restaurantes franceses, promovendo o nome de muitos dos melhores restaurantes do sul da França, sugerindo aos parisienses que se dirigissem até Provença e à Riviera. Além disso, a Michelin publicou mapas e lista de locais turísticos para dar mais incentivos às viagens. O último exemplo relatado diz respeito à empresa Gillete, que fabrica a lâmina de barbear Mach3, dotada de uma fita azul que vai perdendo a coloração conforme seu uso. Este procedimento indica ao consumidor o momento de substituição, no entanto esta técnica de descoloração nem sempre indica corretamente se a lâmina de barbear precisa ou não ser substituída, podendo indicar prematuramente o sinal de substituição e assim o sub-uso do produto.


A obsolescência programada tende a ser restringida a bens duráveis, que segundo Kotler (2000) são bens tangíveis normalmente usados durante um período de tempo, como fogão, ferramentas, dentre outros, não querendo dizer com isso que bens não duráveis não possam ser alvos de estratégias de obsolescência. A obsolescência programada, sendo um fenômeno de redução de durabilidade com a finalidade de incentivar novas aquisições, torna-se mais atraente em mercados onde haja a fabricação de bens com maior durabilidade. Logo, torna-se mais raro este fenômeno em mercados de bens não duráveis, que são bens tangíveis normalmente consumidos ou usados imediatamente, como alimentos. Pode-se notar que grande parte da literatura referente à obsolescência programada toma como base bens duráveis, devido a sua durabilidade, como Bulow (1982, 1986), Waldman (1993, 1996). Assim visualiza-se uma tendência positiva entre durabilidade e incentivo à prática de obsolescência programada.


A maior motivação para adoção de obsolescência programada de um produto também é verificada nos casos em que a aquisição adicional do mesmo produto acrescenta pouca ou nenhuma utilidade para quem o adquiriu, conforme Rangnekar (2001). Por exemplo, a posse de alguns livros de literatura não se torna, em regra primordial, desestímulo à aquisição de novos livros, excetuando se for o mesmo título, então estes novos livros, que possam vir a ser adquiridos, são um complemento à utilidade para o adquirente. De outra forma, a posse de uma geladeira, em boas condições de uso, gera, relativamente em regra, um fator de desestímulo à aquisição de uma nova geladeira, assim uma nova compra deste produto tem como idéia a substituição. Por conclusão, a tendência à adoção de técnicas de redução de durabilidade de produto é maior para uma geladeira do que para livros de literatura, ou melhor, do caráter existente no produto ser de substituição ao invés de complementação.


A existência e a utilidade de um produto percorre diferentes períodos de tempo. De acordo com Kotler (2000), o produto tem um ciclo de vida que deve constar quatro pontos: os produtos têm uma vida limitada; as vendas dos produtos apresentam estágios distintos, apresentando, assim, peculariedades distintas em suas etapas; os lucros variam conforme o estágio em questão; os produtos requerem estratégias de marketing, de produção, de compras, financeiras nas diferentes etapas. O ciclo de vida é dividido em quatro fases: introdução, que é uma fase de baixos lucros e de vendas; crescimento, etapa de rápida aceitação do mercado e aumento dos lucros; maturidade, um período de modesto crescimento das vendas, devido à aquisição de um dado produto pela maioria dos consumidores potenciais. Os lucros se estabilizam ou declinam; e declínio, estágio de queda brusca nas vendas e nos lucros.


O ciclo de vida dos produtos é descrito por curvas, que na grande maioria das vezes, é mostrada na forma de sino, em que se observa os quatro estágios de vida, retrato no gráfico 1.


grafico001

Gráfico 1 - Ciclos de Vida das Vendas

Na fase de maturidade, por exemplo, pode ser um bom momento para se adotar estratégias de obsolescência programada, pois de acordo com Kotler (2000) é a fase em que a maioria dos consumidores potenciais já adquiriu o produto, e as compras futuras são, principalmente, aquelas decorrentes do crescimento populacional e da substituição da demanda.

Em conclusão, podemos afirmar que a demanda por um produto, em qualquer momento de tempo, será, em parte, determinada pela quantidade já presente no mercado, que foi adquirida no passado. Conseqüentemente, a maior durabilidade de um dado produto, implica parcialmente, que o vendedor deva aguardar um período maior de tempo até a próxima compra. Neste momento há um maior incentivo à adoção de estratégias de redução de durabilidade do produto, antecipando as compras (substituições). Ruiz (2002) cita como exemplo o caso do produtor monopolista, que decide introduzir um novo modelo no mercado, face à situação em que o modelo velho ainda está sendo usado, mas a demanda pelo mesmo é diminuída, em decorrência da quantidade já presente.


Bulow (1986), um referencial à literatura sobre a obsolescência programada, desenvolveu um modelo entre aluguel e venda de produtos, para chegar a conclusão que o monopolista de bens duráveis, em termos de maximização de lucro, deve, em primeiro momento, pensar em alugar seus produtos e, não sendo possível esta possibilidade, buscar a redução da durabilidade dos produtos. Esse modelo exemplifica a preferência do produtor em primeiro alugar e como estratégia alternativa reduzir sua durabilidade, revelando o efeito que os produtos já adquiridos no mercado exercem sobre a demanda. O monopolista, detentor de poder de mercado, ao alugar seus produtos continuará a receber renda enquanto os adquirentes estiverem de posse destes produtos, como por exemplo, no caso do aluguel de determinados aparelhos de recepção de sinal de TV. Pode ocorrer, por diversas razões, que o produtor não consiga alugar seus produtos por questões de mercado ou legais, como, por exemplo, se o produto é de pequeno valor, acarretando custos de gestão elevados, riscos de roubo, dentre outros. Assim, uma forma alternativa de ganho torna-se a venda de produtos com a adoção da redução da durabilidade dos mesmos.


Na literatura concernente à obsolescência programada, como em Bulow (1982,1986), Waldman (1993), Ruiz (2002), Schmalensee (1970), dentre outros, o quesito mais evidente para a adoção de estratégias de redução de durabilidade é a existência de poder de mercado, revelado pela sempre inclusão de modelagens econômicas que envolvam monopolistas e ou oligopolistas. Schmalensee (1970), por exemplo, demonstra, em seu trabalho, que o produtor monopolista produzirá geralmente produtos que se deterioram mais rapidamente do que aqueles produzidos em mercado competitivo.

Nesse sentido, admitimos como hipótese a existência de poder de mercado para a maior eficiência na adoção da obsolescência programada. Este poder é encontrado em estruturas não concorrências de mercado, como o monopólio e o oligopólio. Há sentido na redução da durabilidade do produto, se o produtor tiver condições de controlar a demanda e oferta do produto, caso contrário ocorrerá a migração dos consumidores para produtos concorrentes, ou por exemplo, a queda do preço do mesmo.


Assim, para maior sucesso na redução de durabilidade, o mercado de um dado produto está condicionado a vários fatores que dizem respeito a mercados não competitivos que, conforme descrição de Passos e Nogami (2002) são: o produto é suprido por uma ou poucas empresas; não existência de muitos substitutos próximos; existência de barreiras à entrada de novas firmas na indústria, que podem ser as mais variadas possíveis como, por exemplo, existência de economias de escala, controle sobre o fornecimento de matérias-primas, monopólio legal[2] e proteção de patentes[3].


Um conceito relevante em economia é a elasticidade-preço da demanda[4], que de acordo Passos e Nogami (2002) mostra o grau de sensibilidade da demanda de um bem perante as mudanças em seu preço. A elasticidade, assim, poderá ser classificada em elástica ou inelástica. Neste caso, uma diminuição no preço do bem provoca um aumento menos do que proporcional na quantidade demandada, acarretando uma queda da receita total. Analogamente, uma elevação no preço desse mesmo bem acarreta uma diminuição menos do que proporcional na quantidade demandada, ocasionando elevação da receita. Diversamente, para o caso elástico uma diminuição no preço provoca um aumento mais que proporcional na quantidade demandada, acarretando uma elevação da receita, analogamente uma elevação no preço provoca uma diminuição mais que proporcional na quantidade demandada, ocasionando queda da receita total.


Vale ressaltar que podemos admitir o caso de uma elasticidade-preço de demanda unitária, em que a redução ou aumento no preço terá como resultado uma variação na quantidade exatamente proporcional, logo a receita total permanece constante.


Os fatores que influenciam a elasticidade-preço da demanda são vários dentre os quais destacamos: o grau de essencialidade do produto, ou seja, quanto mais essencial for o produto para o consumidor, mais inelástica tende a demanda pelo mesmo, analogamente, quanto menos essencial é o bem para o potencial adquirente, mais elástica tende a ser sua procura; grau de substituição, ou seja, quanto menos substitutos houver, mais inelástica tende a ser sua demanda; de modo diverso, quanto mais substitutos um produto tiver, mais elástica deverá ser sua procura; importância relativa do produto no orçamento do consumidor, ou seja, quanto menor for o peso do produto na restrição orçamentária do consumidor, mais inelástica é a demanda. Contrariamente, bens que tenham um peso maior no orçamento tendem a uma procura mais elástica; e o tempo, ou seja, com o tempo, novos produtos similares ou substitutos podem surgir no mercado, permitindo-nos concluir que a demanda tende a ser elástica. Assim, vislumbra-se que a elasticidade-preço da demanda é um dos condicionantes do poder de mercado, pois, através da mesma, pode-se medir o poder de mercado.


O poder de mercado, desse modo, acaba sendo reconhecido como requisito essencial à adoção da obsolescência programada, assim sendo podemos concluir que existe uma relação positiva entre magnitude do poder de mercado e êxito na adoção de estratégias de redução de durabilidade de produtos.


No momento em que se insere o contexto de estruturas não concorrenciais de mercado, aliadas à existência de poder de mercado e à possibilidade de danos à sociedade, podemos fazer uma ligação entre adoção de obsolescência programada e Direito Concorrencial, no que diz respeito a um possível abuso de exercício do poder de mercado.


A literatura sobre a obsolescência programada de produtos ainda é pouco consolidada, tendo inúmeras controvérsias à seu respeito, ou seja, precisa de aprimoramento, e não é a intenção deste trabalho esgotar o assunto sobre este tema.


Para Saad (2001), qualquer produto pode ser alvo da obsolescência programada, quer para a melhoria do mesmo, ou pela simples modificação de estilo para torná-lo mais atrativo. Estas modificações estão ligadas à tecnologia, ou melhor, ao avanço tecnológico disponível no momento da criação do produto.


A tecnologia, que é o conhecimento e o estudo de técnicas, normalmente ligadas aos princípios científicos pode trazer inovações e avanços, em termos de beneficio às pessoas, ou seja, melhorando a qualidade de vida. O aumento de produtividade e a eficiência, normalmente estão associados a idéia de avanço tecnológico. Saad (2001) admite que nem sempre as novas tecnologias são utilizadas para a criação de produtos ou funções que cooperem para a qualidade de vida, ou para alguma função útil. Assim, admitem-se os chamados gadgets que são funções inúteis, incorporadas aos produtos, ou produtos que não tenham nenhuma utilidade prática. Na maioria das vezes, as gadgets são aplicadas somente para aumentar o valor de troca do produto, mas não seu valor de uso. Aumentar as funções disponíveis em um software não significa que o usuário vai realmente utilizá-las, ou terá necessidade de usá-las. No caso do Autocad analisado pelo autor, quando se trabalha com o mesmo produto final, com modelos predefinidos, a elevação da capacidade produtiva da ferramenta usada para criar desenhos não necessariamente é possível de ser absorvida por quem usa. Para maior compreensão, observamos os usuários da área de hidráulica que utilizam recursos para desenvolver isométricas em que a inclusão de ferramentas para a modelagem tridimensional é inútil. Desse modo, o usuário está adquirindo uma capacidade ociosa, que não tem utilidade, ou seja, não passam de gadgets e que servem, apenas, para encarecer o produto.


Em suma, o avanço tecnológico gera obsolescência de variados produtos que estão no mercado; ou seja, através de inovações introduzidas pode-se acelerar a obsolescência do produto. Por exemplo, através da adaptabilidade dos novos produtos àqueles da linha anterior, usando de diferenciações do produto, pode, este fato, trazer importantes contribuições aos consumidores, como também trazer apenas modificações que não contenham nenhum benefício para o usuário, sendo, portanto, considerada condenável.


BIBLIOGRAFIA:

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BULOW, Jeremy. An Economic Theory of Planned Obsolescence. The Quarterly Journal of Economics, v. 101 (4): 729 – 750, nov. 1986. Disponível em: <http://www.jstor.org>. Acesso em: 29 ago. 2003.

______. Durable-Goods Monopolists. The Journal of Political Economy, v. 90 (2): 314 – 332, abr. 1982. Disponível em: <http://www.jstor.org>. Acesso em: 12 set. 2003.

KOTLER, Philip. Administração de Marketing. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. Título original: Marketing Management, Tenth Edition. Ano de publicação do original: 2000. São Paulo: Prentice Hall, 2000.

PASSOS, Carlos R. M.; NOGAMI, Otto. Princípios de Economia. 3ª ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

RANGNEKAR, Dwijen. Planned Obsolescence and Plant Breeding: Empirical Evidence from Wheat Breeding in the UK (1965-1995). Working Paper. London: Kingston University, 2001. Disponível em: <http://www.kingston.ac.uk/~ku00386/school/research/discpaps.htm>. Acesso em: 15 de nov. 2003.

RUIZ, Juan M.. Another Perspective on Planned Obsolescence: Is there really too much innovation?Working Paper. Madrid: Universidad Carlos III, 2002. Disponível em: <http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpio/0302001.html>. Acesso em: 15 nov. 2003.

SAAD, Ana Lúcia. Autocad – atualizações freqüentes: avanço tecnológico ou obsolescência programada? 2001. 186 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.

SAAD, Ana Lúcia. Autocad – atualizações freqüentes: avanço tecnológico ou obsolescência programada? 2001. 186 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.

SCHMALENSEE, Richard. Regulation and the Durability of Goods. The Bell Journal of Economics and Management Science, v. 1 (1): 54 – 64, spring, 1970. Disponível em: <http://www.jstor.org>. Acesso em: 28 jun. 2004.

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[1] PACKARD, Vance. Estratégia do Desperdício. São Paulo: Ibrasa, 1965.

[2] Existem casos em que o Estado cede à empresa um direito exclusivo para produção, como, por exemplo, serviços de água, eletricidade. Assim sendo, são concessões privadas, regulamentadas pelo governo. Também, de acordo com Passos e Nogami (2002), existem os monopólios estatais, aqueles pertencentes e regulamentados diretamente pelo poder público.

[3] A aquisição de uma patente dá ao produtor o direito único de produzir determinado bem, impedindo o uso pelas demais firmas.

[4] Existem outras definições para elasticidade, como elasticidade-renda da demanda, elasticidade-preço cruzada da demanda, elasticidade-preço da oferta, que de maneira geral têm a mesma interpretação da elasticidade-preço da demanda, embora envolvendo variáveis outras.

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