STF decide pela inconstitucionalidade da vedação de créditos de PIS e COFINS nas aquisições de insumos recicláveis

O julgamento tem importante impacto para empresas que adquirem desperdícios, resíduos ou aparas.

Bárbara Bach
Publicado em: 23/06/2021

Em proximidade com a comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente (05/06), o STF finalizou o julgamento virtual no último dia 07 do “Tema 304 - Apropriação de créditos de PIS e COFINS na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas” através do Leading Case RE 607109.

O referido julgamento era de grande expectativa não apenas para contribuintes (muito prejudicados por essa impossibilidade), mas também por aqueles que se dedicam à reciclagem e ao meio ambiente, uma vez que esta vedação confere tratamento tributário mais oneroso para as cadeias produtivas que utilizam insumos reciclados. Dessa forma, um dos argumentos defendidos pelos contribuintes era o de que, ao revés da referida atividade ser incentivada, em razão de seus benefícios ao meio-ambiente, era desestimulada pela vedação, pois a aquisição dos referidos insumos não gerava créditos aos adquirentes.

O Tribunal, por maioria, deu provimento do recurso extraordinário do contribuinte, reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 47 da Lei nº 11.196/2005 e, por arrastamento, do art. 48 do mesmo diploma normativo[1].

Isso quer dizer que a vedação à apropriação dos créditos de PIS e COFINS nas aquisições de desperdícios, resíduos e aparas foi considerada indevida e incompatível com a Constituição Federal, ou seja, as empresas podem apurar créditos de PIS e Cofins na aquisição destes insumos recicláveis.

Foi vencedor o voto do Ministro Gilmar Mendes, escolhido redator para o acórdão (ainda pendente, em razão da recente conclusão do julgamento). Foram vencidos os Ministros Rosa Weber (Relatora) e Marco Aurélio, que davam parcial provimento ao recurso extraordinário, para reconhecer o direito de creditar-se dos produtos recicláveis apenas quando vendidos por empresas optantes pelo SIMPLES NACIONAL; o Ministro Alexandre de Moraes, que negava provimento ao recurso; e o Ministro Dias Toffoli, que interpretou o art. 48 como uma isenção tributária, de modo que a pessoa jurídica adquirente dos materiais recicláveis favorecidos poderia, no regime não cumulativo de PIS/COFINS, se utilizar do crédito.

Apesar dos exatos termos de provimento do recurso serem conhecidos apenas quando for disponibilizado o acórdão, foi fixada a seguinte tese pela maioria dos julgadores: "São inconstitucionais os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, que vedam a apuração de créditos de PIS/Cofins na aquisição de insumos recicláveis".

Sem prejuízo, o que desde já pode-se extrair do voto vencedor proferido pelo Ministro Gilmar Mendes acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski é que, inicialmente, diante da tese de repercussão geral aprovada no julgamento do RE 607.642[2], a opção do legislador brasileiro foi por um modelo legal de coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo do PIS/COFINS que o fez observar que:

“À vista dessas balizas legais, pode-se afirmar que o regime jurídico mais moderno, caracterizado pela técnica da não cumulatividade, volta-se exclusivamente para as empresas que auferem receita total anual superior a setenta e oito milhões de reais, ou seja, os grandes produtores, que, na forma do art. 13 da Lei 9.718/98, apuram imposto de renda com base no lucro real.”

Prosseguindo sua análise, o Ministro destacou que a discussão no presente caso volta-se justamente à constitucionalidade de dispositivos que, destoando da lógica da não cumulatividade (que submete o contribuinte a alíquota mais elevada e, a título de compensação, lhe permite abater os créditos assegurados pela legislação tributária) proíbem empresas sujeitas ao regime de compensarem créditos com origem na aquisição de insumos recicláveis.

Antes de detalhar as motivações de inconstitucionalidade, Gilmar Mendes trouxe as premissas adotadas pela PGFN para defender a manutenção dos dispositivos e que podem ser resumidos da seguinte forma:

  • os arts. 47 e 48 da Lei 11.196/2005, ora discutidos, formam complexo normativo engendrado para favorecer o elo mais frágil da cadeia de produção;
  • os dispositivos impugnados concedem isenção de PIS/Cofins na etapa anterior da cadeia de produção, em benefício das cooperativas de catadores, e, como contraponto, repassam o ônus tributário para as grandes indústrias de reciclagem;
  • como não ocorre a tributação na operação antecedente, é compreensível que as empresas adquirentes não possam compensar créditos de PIS/Cofins;
  • a carga tributária incidente sobre a indústria de reciclagem é bastante similar àquela imposta aos seus concorrentes diretos - indústrias cuja linha de produção depende diretamente do manejo florestal.

Na sequência, o Ministro passa a expor os motivos que o levam a entender que a premissa adotada pela PGFN é absolutamente equivocada, pois segundo ele “(...) o Fisco ignora a possibilidade concreta de os créditos fiscais superarem o valor do PIS/Cofins recolhido na etapa anterior da cadeia de produção”:

  • para que houvesse uma autêntica equivalência entre a carga tributária da indústria de reciclagem e da indústria assentada no manejo florestal, seria necessário que tanto fornecedor quanto adquirente estivessem invariavelmente sujeitos ao regime não cumulativo, contribuindo, portanto, pela alíquota de 9,25%;
  • isso não é o que ocorre, em geral, com as grandes cadeias econômicas de produção e, em particular, na indústria de celulose, na qual:
    a.   os grandes produtores de papel, submetidos necessariamente ao regime não cumulativo, adquirem insumos junto a cooperativas de catadores de material reciclável, formadas por pessoas físicas de baixa renda;
    b.   essas entidades, permanecem obrigatoriamente no regime cumulativo do Cofins, contribuindo, então, pela alíquota de 3,65%.

Para exemplificar a prejudicialidade à indústria quando utiliza insumos recicláveis, o Ministro trouxe o exemplo que segue, o qual ilustramos para melhor visualização:

STF decide pela inconstitucionalidade da vedação de créditos de PIS e COFINS nas aquisições de insumos recicláveis

Apesar do Ministro reconhecer que na economia real as transações comerciais são mais complexas que a demonstração acima, conclui que:

“Os exemplos fornecidos, contudo, são oportunos por demonstrar que, quando submetidas a condições de mercado similares, as empresas que adquirem matéria-prima reciclável não competem em pé de igualdade com as produtoras que utilizam insumos extraídos da natureza, cujo potencial de degradação ambiental é indubitavelmente superior.

E o que mais impressiona é que as vantagens competitivas que alavancam os ganhos da indústria convencional, ainda dependente de métodos extrativistas, não decorrem necessariamente de sua maior eficiência operacional ou da solidez de seu plano empresarial, mas da imposição de tratamento tributário desfavorável às linhas de produção ecologicamente sustentáveis.”

Com isso, Gilmar Mendes observa que “(...) embora o legislador tenha visado a beneficiar os catadores de papel, a legislação provocou graves distorções que acabam por desestimular a compra de materiais reciclados. Hoje, do ponto de vista tributário, é economicamente mais vantajoso comprar insumos da indústria extrativista do que adquirir matéria-prima de cooperativas de catadores de materiais recicláveis”.

Dessa forma, identificou tratar-se de ofensa frontal ao princípio da isonomia em matéria tributária (art. 150, II da Constituição Federal)[3], caracterizando flagrante inconstitucionalidade por esse motivo, mas também, por serem os dispositivos em análise incompatíveis com as finalidades constitucionais de proteção ao meio ambiente e valorização do trabalho humano.

Reconhecida como indevida a vedação ao creditamento dos insumos recicláveis de um lado ante a inconstitucionalidade do art. 47 da Lei 11.196/2005, o voto vencedor entendeu por reconhecer, por arrastamento, a inconstitucionalidade do art. 48, quanto à isenção das fornecedoras de materiais recicláveis, de modo a retornarem ao regime geral do PIS/COFINS, sob a justificativa de evitar a “formação de um regime híbrido, que, além de não ter sido previsto pelo Congresso Nacional, desafia a lógica do regime de não cumulatividade do PIS/COFINS”.

O referido julgamento tem repercussão geral com afetação, ou seja, deve ser observado por todos os Tribunais do País.

A Lira Advogados segue atenta aos desdobramentos da referida ação até o seu efetivo desfecho, bem como à disposição para esclarecimentos complementares.


[1] Art. 47. Fica vedada a utilização do crédito de que tratam o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e o inciso II do caput do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, nas aquisições de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, classificados respectivamente nas posições 39.15, 47.07, 70.01, 72.04, 74.04, 75.03, 76.02, 78.02, 79.02 e 80.02 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, e demais desperdícios e resíduos metálicos do Capítulo 81 da Tipi.         (Vigência)

Art. 48. A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda de desperdícios, resíduos ou aparas de que trata o art. 47 desta Lei, para pessoa jurídica que apure o imposto de renda com base no lucro real.     (Vigência)

Parágrafo único. A suspensão de que trata o caput deste artigo não se aplica às vendas efetuadas por pessoa jurídica optante pelo Simples.

[2] Tema 337/STF: “Não obstante as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 estejam em processo de inconstitucionalização, é ainda constitucional o modelo legal de coexistência dos regimes cumulativo e não cumulativo, na apuração do PIS/Cofins das empresas prestadoras de serviços.”

[3]  Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

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